O cartaz de divulgação do A20 dizia: Diversão o dia inteiro. De fato houve quem se divertiu, estes foram os mais sàdicos soldados da Tropa de Choque que não perderam a oportunidade de descarregar contra os manifestantes toda sua brutalidade. O que ocorreu na Avenida Paulista no dia 20 de Abril deve nos fazer pensar, por isso nosso intuito com este texto é apresentar algumas reflexões e tentar extrair algumas lições sobre tudo que aconteceu na manifestação.
Para começar vamos chamar atenção para as chamadas do ato. Algumas quiseram apresentar um tom humorístico, enfatizando um suposto aspecto lúdico, entendemos isso como uma tentativa de diferenciação em relação ao que se chama "Esquerda Tradicional", porém, tal tentativa, em nossa opinião, levou as chamadas para o ato a perderem a seriedade. Desenhos de garotinhos segurando um coquetel molotov e que parecem ter saído da classe média norte americana, ou montagens com a foto do Bruce Lee não nos levarão a lugar nenhum, quem sabe talvez a algum programa de humor. Também não vamos aqui defender os métodos da tal "Esquerda Tradicional", estamos cansados de saber que esta esquerda està burocratizada, tem desprezo por suas bases e està atrelada aos burgueses em seus projetos reformistas e eleitoreiros. Não é exclusivamente pela irreverência que vamos nos diferenciar, mas principalmente por nossas pràticas, sabendo o que queremos, sabendo fazer a discussão com as pessoas que mobilizamos e sabendo nos organizar de acordo com nossa realidade e não com o que vemos os outros fazerem no exterior.
Neste sentido a primeira coisa que nos chama a atenção é: O ato tinha um objetivo que fosse claro à todos os participantes? O que ocorreu no ato nos leva a crer que não. Prevaleceu a lógica espontaneísta e individualista, do cada um faz o que quer, o resultado foi o salve-se quem puder, a correria e a confusão que vimos. A autonomia individual e dos pequenos grupos se revelou uma via autoritària, uma vez que a vontade da minoria acaba se sobrepondo a da maioria, o individualismo leva inevitavelmente ao autoritarismo mais hipócrita, pois é aquele que se disfarça de "libertàrio", sendo o oposto.
Um ato como A20 deve ser pensado de acordo com nossas condições, em Quebec fazia sentido levar o ato ao confronto, pois là ocorria a reunião dos chefes de estado, là interessava criar obstàculos para esta reunião de mascates. Aqui a coisa era diferente, não havia nenhuma reunião, logo deveríamos ter objetivos diferentes, o ato deveria procurar chamar a atenção da população sobre o problema da ALCA, mas o que chamou a atenção foi o quebra-quebra. Não somos pacifistas, nem somos moralistas em relação ao uso da violência, acreditamos que ela deva ser usada na hora certa, em uma ação organizada, com objetivos bem definidos que seja do conhecimento de todos os presentes, o que não ocorreu. Sabemos que foi a polícia que começou com as agressões, mas a falta de organização, objetivos claros e coesão entre os manifestantes conduziu ao caos e ao salve-se quem puder.
Outro aspecto a ser ressaltado é o da distância da maioria dos manifestantes em relação aos movimentos populares, diz-se que são partidarizados e os rejeitam, dizem também que estão superados, mas tal postura só isolou a movimentação contra a ALCA. Muitos grupos apenas trocavam panfletos entre si, não demonstrando qualquer interesse em se dirigir à população em geral, ficavam girando em torno de si mesmos. Uma suposta postura anti-autoritària levou a maioria dos manifestantes a rejeitar a presença de um carro de som, o que facilitaria muita coisa no ato, esta recusa vinha acompanhada de argumentos infantis, de que o carro de som iria monopolizar a palavra, como se um carro de som tivesse em si mesmo uma natureza perversa, ora um carro de som seria o que fizéssemos dele, teríamos que nos organizar melhor para utilizà-lo, e isso, ao nosso ver, só faria bem ao ato.
Uma outra coisa também ficou clara neste ato, é a tendência à imitação, jà mencionamos isto rapidamente no texto, mas vamos reforçar nossa posição, a maioria dos envolvidos nesta movimentação são jovens, uma parte consideràvel procedente da classe média, pessoas que possuem acesso a uma série de informações vindas do exterior, informações que geram um certo deslumbre pelo que é feito "là fora", especialmente nos EUA e Europa, e um certo menosprezo pela realidade daqui, que é de longe mais brutal, e a polícia se encarregou de demonstrar isso melhor do que qualquer argumento que possamos utilizar. Algumas das "novas tàticas de ação direta" se mostraram incompatíveis com o caràter espontaneísta do ato, sentar no chão estando em pequeno número se revelou algo insensato. Algumas das tàticas usadas são realmente úteis, mas só funcionam se também houver preparo e organização para aplicà-las, e não existiu nada disso, infelizmente.
Para que atos como o A20, que nas condições em que estamos, devem ter caràter mais de denúncia do que de enfrentamento com a polícia, tenham maior efeito, é preciso tentar ganhar maior apoio popular. Jà està mais do que na hora dos envolvidos com esta movimentação se aperceberem de que não serão pequenos grupos isolados do povo, e pior ainda, voltados para si mesmos, que mudarão qualquer coisa. Nem serà de forma espontaneísta, individualista e conseqüentemente desorganizada que avançaremos. Assim a única coisa que conseguimos é ser alvo fàcil para a repressão e não conseguiremos romper o bloqueio da mídia que se esforça em distorcer, estigmatizar e inclusive criminalizar qualquer ato contra o capitalismo.
Diante disso é urgente que se considere a necessidade de dar caràter mais orgânico à movimentação anti-capitalista, a criação de uma coordenação é útil em nossa opinião, esta coordenação deve traçar as diretrizes para os atos, as quais devem ser seguidas por todos envolvidos, impedindo que indivíduos ou pequenos grupos imponham de forma autoritària sua vontade aos demais. Deve-se sim fazer uso de carro de som, não podemos nos prender ao medo de um suposto autoritarismo inerente a um veículo, que pode ser uma ferramenta útil na organização das passeatas e intervenções e na orientação dos manifestantes, além de direcionar nossa mensagem aos transeuntes. Deve-se também buscar maior participação de movimentos populares.
Esta movimentação depois do que ocorreu encontra-se em uma encruzilhada, ou segue como està e fracassa, ou perde o medo de encarar a necessidade de atuar de modo mais coeso e organizado para avançar e crescer, e para isso deve olhar mais para nossa própria realidade, nosso próprio povo e sua real situação.
Só mobilizando os setores populares avançaremos na luta anti-capitalista, com gatos pingados não se faz revolução.
C.E. 01 - RP
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