Manifestantes antiglobalização bloqueiam pontes e estradas para boicotar cimeira do G8
Teresa de Sousa, Evian
PÚBLICO/PUBLICO.PT

Grupos de manifestantes antiglobalização começaram hoje a principal jornada de protesto contra a cimeira do G8, bloqueando quatro pontes em Genebra, numa tentativa de impedir as delegações de se deslocarem por estrada até à localidade francesa de Evian, onde se celebra a cimeira.

Os manifestantes também tentaram impedir a circulação numa auto-estrada perto da localidade de Annemasse, próxima da fronteira suíça, mas a polícia dispersou-os com gás lacrimogéneo.

Alguns jovens dedicaram-se a colocar no meio das ruas diversos "vidrões" a fim de travar a marcha dos carros, ao passo que outros arrancaram algumas das tábuas que protegem numerosas montras de lojas para levantar barricadas rodoviárias.

Em Lausana, a capital olímpica situada junto ao lago Leman, frente a Evian, manifestantes antiglobalização aproximaram-se da zona de segurança e fizeram soar os seus instrumentos de percussão perto do hotel Beau-Rivage, onde se alojam os presidentes dos países em vias de desenvolvimento convidados para a cimeira, entre eles o México, o Brasil, a China e a Índia.

Mas os esforços para boicotar a cimeira não impediram a chegada de diversos chefes de Estado e de Governo por via aérea.

Entretanto já arrancou a grande manifestação transfronteiriça entre Annemasse (França) e Genebra: duas colunas de manifestantes partiram simultaneamente das duas cidades para se encontrarem e organizarem o acto de protesto junto à fronteira.

Teste à reconciliação entre os EUA e a "velha Europa" em Evian

Por outro lado, fazer da cimeira do G8 o palco da reconciliação transatlântica sem abdicar de uma visão "multipolar" do mundo e sem deixar que a luta contra o terrorismo monopolize a agenda internacional - é este o delicado e ambicioso exercício que o Presidente francês Jacques Chirac inicia hoje em Evian.

Chirac preparou cuidadosamente a coreografia do seu primeiro encontro com George W. Bush depois da guerra no Iraque, transformando a cimeira do G8 (sete países mais ricos do mundo e da Rússia) num "diálogo alargado" a mais uma dezena e meia de líderes mundiais, criteriosamente seleccionados para representarem o mundo em vias de desenvolvimento, incluindo os excluídos da globalização.

Será, pois, na presença dos Presidentes do Brasil, do México, da China e da Índia - quatro países cujo peso económico, demográfico e geopolítico lhes confere um estatuto internacional incontornável - e tendo por testemunho representantes do mundo árabe (o Presidente do Egipto e o Presidente da Argélia), do movimento dos não-alinhados (o primeiro-ministro da Tailândia) e de algumas das nações africanas mais empenhadas em encontrar a via de saída da exclusão a que parece votado o seu continente, que o Presidente da França estenderá a mão ao seu convidado americano.

A agenda da cimeira foi também cuidadosamente desenhada para demonstrar que este "diálogo alargado" não pode ser construído a partir de um único tema: o combate ao terrorismo e à proliferação de armas de destruição maciça.

A ajuda ao desenvolvimento e a regulação da globalização, o socorro a África, o combate às doenças infecciosas que devastam as regiões mais pobres do globo, mas também uma mensagem de confiança na retoma da economia mundial são os grandes temas escolhidos por Chirac para a cimeira do G8, para os quais espera poder contar com o apoio dos representantes do "resto do mundo". Com eles, o Presidente francês quer também piscar o olho aos porta-vozes da "mundialização alternativa" que já acampou ordeiramente às portas de Evian, tirando partido do facto de ter liderado o chamado "campo da paz" contra a intervenção no Iraque.

Mas Chirac terá pela frente o Presidente da hiperpotência americana, fortalecida pela sua fulminante vitória militar e determinada a desenhar o mundo de acordo com os seus próprios interesses e a sua própria visão.

A coreografia americana

Foi com um sonoro "vive la France" e a promessa de que a cimeira de Evian "não será uma cimeira de confronto" que o Presidente dos Estados Unidos deixou Washington na sexta-feira passada, rumo à Europa e ao Médio Oriente.

Mas se Washington converge com Paris no objectivo de deixar para trás o confronto que opôs os dois países durante a crise do Iraque, a Casa Branca também preparou cuidadosamente a coreografia de George W. Bush para a cimeira do G8.

Em primeiro lugar, Bush não vai a Evian, limita-se a passar por Evian, a terceira paragem do seu périplo europeu, depois de uma visita a Varsóvia (onde foi agradecer o incondicional apoio polaco e definir a sua nova das relações transatlânticas) e uma passagem por São Petersburgo (onde testou o estado da sua "química" pessoal com Vladimir Putin depois da "perturbação" iraquiana).

Durante a cimeira, que abandonará um dia mais cedo para partir para Sharm-el-Sheik, no Egipto, onde o aguardam os líderes do mundo árabe, Bush tem previstos apenas dois encontros bilaterais - com o seu homólogo francês Jacques Chirac, na sua qualidade de anfitrião, como a Casa Branca fez questão de frisar; e com o novo Presidente da China, Hu Jintao, para discutir a Coreia do Norte. Se o chanceler alemão alimentava a esperança de uma reconciliação, a mensagem não podia ter sido mais clara: Gerahrd Schroeder ainda não está perdoado.

"O Presidente compreende perfeitamente desacordos políticos honestos entre os aliados", disse a sua conselheira se segurança nacional Condoleezza Rice. O que "não entende nem aceita" é que esses desacordos "tenham um forte sabor a anti-americanismo".

Bush, nas suas próprias palavras, tenciona discutir com os seus parceiros do G8 questões como "o combate à sida, o comércio internacional e a luta contra a fome". Mas também, "e sobretudo", a luta comum "contra os terroristas que querem submeter o mundo livre à sua chantagem e obrigar-nos a viver no medo."

Sintomaticamente, a Casa Branca não deu qualquer indicação de que o Presidente tencione incluir o processo de paz no Médio Oriente nas discussões com os seus parceiros do G8. Bush deixa amanhã Evian para cumprir o ponto alto da sua deslocação internacional: envolver-se directamente nas negociações do "roteiro" para a paz entre Israel e a Palestina, em duas cimeiras sucessivas, primeiro com os líderes moderados do mundo árabe, depois com os chefes do governo de Israel e da Palestina, Ariel Sharon e Abu Mazen.

Os europeus foram os grandes inspiradores deste "roteiro". Paris gostaria de ver o reconhecimento do papel da Europa expresso num encontro do Quarteto internacional composto pela UE, EUA, Rússia e ONU que está na origem do novo plano de paz. Bush, que critica vivamente a "protecção" dada pela União Europeia ao líder palestiniano Yasser Arafat, não lhe vai dar essa satisfação.

Quem lidera a ajuda ao desenvolvimento

Em Evian, o Presidente americano quer ainda demonstrar que, também na ajuda aos países mais pobres, é a América quem lidera e que o seu pragmatismo vale mais do que a bela retórica europeia.

No passado dia 27, Bush desbloqueou uma verba de 15 mil milhões de dólares para o combate à sida nos próximos cinco anos. "Desafiarei [em Evian] os nossos parceiros e amigos a seguir a nossa liderança e a assumir um compromisso idêntico", disse na altura.

A França prepara uma resposta ao desafio americano, provavelmente insistindo na necessidade de garantir o acesso dos países mais pobres a medicamentos mais baratos e renovando o compromisso de financiar o Fundo Global da ONU para o combate à sida, malária e turberculose, um compromisso assumido pelos sete países mais ricos do mundo na última cimeira do G8 no Canadá.

Embora a verba anual canalizada pela UE para a ajuda ao desenvolvimento (27 mil milhões de dólares) duplique a americana (12,7 mil milhões), os analistas são unânimes a reconhecer que esta adminstração aumentou significativamente as verbas destinadas a esse fim. Mas o grande desafio que a Europa e os EUA vão enfrentar em Evian virá provavelmente das palavras do Presidente do Brasil. Luís Inácio Lula da Silva não se vai limitar a propor a criação de um fundo mundial contra a fome e apelar ao investimento na América Latina. Lula, que chega à cimeira do G8 com todo o seu capital de esperança ainda intacto, vai uma vez mais denunciar os subsídios dos países ricos à sua agricultura como uma das razões para a fome e para as dificuldades do desenvolvimento do resto do globo.

Num gesto inédito, a França apresentou uma proposta de moratória de todos os subsídios às exportações de bens alimentares para os países de África. Washington respondeu dizendo que só aceita a proposta se ela for alargada a todos os países em vias de desenvolvimento. A resposta americana deve ser vista à luz das difíceis negociações de Doha no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC) praticamente bloqueadas pela questão agrícola, um outro tema ao qual os líderes das nações mais ricas do mundo vão ter também de prestar alguma atenção se querem tornar credível a sua mensagem de confiança na retoma da economia internacional.

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Manuel Baptista em 2003-06-01
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