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Wednesday 05 Jun 2002 author: dri@
O que ficou conhecido como Guerra da Água, série de protestos que ocorreram no ano 2000, contado por Oscar Olivera, um dos membros da Cordenadoria da Água e da Vida, movimentos social organizado que segue lutando pelos direitos da população boliviana.
No final de 1999 o governo boliviano assina um contrato de concessão do sistema de distribuição de água do país com multinacionais norte americanas e européias fazendo com que 'a água deixe de ser um bem coletivo e converta- se em uma mercadoria”, sublinha Oscar Olivera. Isso para a humilde população do país, que em sua maioria contava com um sistema precário de extração de água de poços e lagoas, não significava a solução do antigo problema sanitário. Pelo contrário, as tarifas atingiriam preços elevadíssimos “cerca de 300%, para dar um exemplo, uma professora aposentada tinha que destinar mais de 30% de seu salário para pagar a água potável”, conta Oscar.
O fato que num primeiro momento atingiu diretamente o bolso da população veio a ser a válvula de escape para uma mobilização geral. “A Guerra da Água foi uma convocatória dos campesinos, que vieram à Confederação dos Fabriles (sindicato de trabalhadores) alertar que lhes estavam tirando o direito de ter a água de uma forma comunitária”, lembra Oscar. O próximo passo foi esclarecer de que forma queriam a lei de águas e para isso contaram com um grupo de técnicos, entre eles biólogos, advogados, economistas, arquitetos, sociólogos que, unindo forças, foi capaz de explicar também à população urbana o que aquela privatização significava. Então em novembro de 1999 formou-se a Coordenadoria da Água e da Vida, responsável pela campanha contra a lei e o contrato de concessão recentemente assinado pelo governo boliviano.
A população estava indignada até porque “a necessidade de um sistema sanitário havia sido manipulada por muitos partidos políticos, que anteriormente elaboraram campanhas com o tema Água para Cochabamba já!”, conta Oscar. Portanto não era de se esperar passividade e no final do ano, véspera do natal, houve uma mobilização enorme para a primeira assembléia geral que iria definir a posição que assumiriam dali pra frente. “Havia cerca de 15 mil pessoas na praça dizendo não a lei de águas e ao contrato, então foi fixado um prazo até 11 de janeiro para que o governo mudasse sua posição”, conta Oscar.
Foram três meses de luta, algumas vitimas fatais, mas o resultado final não só levou a uma vitória parcial, que se concluí agora no próximo dia 30 de abril, mas que também despertou a consciência da população de seu poder de mudança dentro do estado.
Mesmo após a mobilização pré natalina em que se formou a Coordednadoria, o governo no início de 2000, afirma que “a Coordenadoria da Água não existe, não está institucionalizada, além de ser formada por um bando de vândalos ligados ao narcotráfico”, lembra Oscar. Portanto não foi surpresa que no dia 11 de janeiro mês o estado não se manifestasse com relação à mudança na lei, ao contrato e às tarifas. Diante disso, os cochabambinos iniciam um bloqueio nas estradas por quatro dias, até que o governo cede e assina um convênio com o prefeito, o governador e a Coordenadoria da Água para que a lei seja mudada. Essa foi a primeira vitória de uma guerra cheia de indas e vindas.
Ainda assim, as tarifas sofreriam aumento e por isso a Coordednadoria chama uma mobilização para o mês seguinte, no dia quatro de fevereiro. “As pessoas vieram pra fazer uma grande festa porque não mais havia a disputa entre os campesinos e a população urbana pela água”, lembra Oscar, explicando que devido ao precário sistema sanitário era comum que discordassem com relação à extração de água das lagoas localizadas na área rural.
Enquanto as pessoas mobilizavam- se, os dirigentes da Águas Del Tunari, empresa multinacional que tinha a concessão da extração de água, alertava o governo boliviano da existência de um artigo no contrato que dizia que “a empresa não permitiria nenhum tipo de revisão naquele contrato”. Por isso, o governo decide recrutar a polícia para reprimir a pacífica manifestação, deixando dezenas feridos. “Se não se pode modificar o contrato então que ele seja rompido”, diz a Coordenadoria resistindo com o apoio da população, que manteve-se em praça pública e nos bloqueios nas estradas.
Outra data é marcada para que o governo ceda às demandas da população, desta vez dia 4 de abril. Para a ocasião houve uma mobilização de mais de 60 mil pessoas, cerca de 60% da população do país. Dessa vez o governo tenta mudar sua estratégia e não recruta policiais ou militares. No primeiro dia havia cerca de 40 mil pessoas nas ruas, 'mas o movimento vai decaindo, porque as pessoas estavam cansadas, entretanto o governo comete um grave erro”, lembra Oscar. Na terceira noite manda prender os dirigentes da Coordenadoria e durante a madrugada, quando as pessoas tomam conhecimento do fato saem às ruas revoltadas levando o governo local a afirmar que o contrato será rompido. 'Mas a noite, quando ainda estávamos presos, o governo central de La Paz, afirma que aquilo não é válido e declara estado de sítio”, conta Oscar.
Na capital o número de mortos em conflitos com a polícia chega a quatro, mas justamente nesse dia a policia declara-se em greve por aumento de salários. O governo não tinha saída, o país estava em estado de sítio, com milhares de pessoas nas ruas, então cede e dá um aumento de 50% à policia que saí às ruas e acaba matando um jovem de 17 anos em Cochabamba. 'As pessoas ficaram ainda mais indignadas e tomam a cidade, expulsam a polícia, jovens e mulheres invadem a prefeitura, o bispo foge, e aqui instaura-se uma espécie de poder popular no qual as pessoas decidiam tudo, quem entrava ou não na praça, etc”, lembra Oscar.
Em onze de abril de 2000, após esses cinco dias que marcaram a história de Cochabamba e da Bolívia, o governo manda um representante a dialogar com a Coordenadoria da Água e da Vida, nessa altura com seus dirigentes já libertados pelo povo. 'No dia seguinte a esse encontro, o governo convoca o parlamento, manda buscar os deputados de jatinho para que votem o rompimento do contrato com a Águas Del Tunari”, concluí Oscar, fazendo referência a esta primeira vitória que desprivatizou o sistema de água potável.
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