Guerra pelo gás na Bolívia se intensifica, com 7 mortos, protestos e bloqueios continuam em todo o país.
Familiares de Bolivianos Mortos em Confrontos com o exército velam seus corpos
traduzido do CMI-Bolívia http://bolivia.indymedia.org/es/2003/09/2694.shtml
"n.t." - nota do tradutor
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Um novo ciclo de conflitos cresce na Bolívia enquanto sindicatos, plantadores de coca e cidadãos comuns unem-se para acabar com a venda das reservas de gás da nação aos EUA, através de um porto chileno. Num país em que as características econômicas têm sido fortemente moldadas pela pressão americana na chamada guerra contra as drogas, e pelos ajustes estruturais feitos pelo FMI, a Guerra do Gás é o caso mais recente onde o público boliviano têm veementemente protestado contra interesses estrangeiros que têm prioridade sobre o bem-estar econômico do país.
Bolívia está neste momento no décimo dia de bloqueios de ruas, e no dia 19 de setembro greves de larga escala e protestos aconteceram em todo o país. Confrontações entre as forças de segurança e manifestantes resultaram em mais de 25 feridos e 7 mortos.
O debate a respeito do que fazer com as reservas de gás natural da Bolívia, as quais são as maiores na América Latina, começaram aproximadamente um ano e meio atrás, quando o governo propôs que o gás fosse exportado através do Chile ao invés da opção mais cara de se exportar ele através do Perú.
Em agosto, a sociedade civil e os sindicatos anunciaram uma campanha coordenada para cessar a exportação. A campanha começou com ações direta em Yungas, uma região ao norte de La Paz (capital). Desde o começo, a campanha incluiu demandas por mais clareza nas leis que regulamentam o cultivo da coca (n.t.: um dos principais produtos agrícolas da Bolívia, não se trata da droga, mas da planta, usada para diversos fins), liberdade aos líderes políticos presos e justiça em relação às atrocidades que aconteceram em La Paz em fevereiro (n.t.: Na fatídica data, parte das guarnições do exército e dos regimentos policiais combateram ao lado do povo, durante as jornadas de resistência contra ato do governo que confiscou parte dos salários dos bolivianos. As confrontações com forças governamentais resultaram em 33 mortos e mais de 200 feridos).
Na Bolívia, há uma profundo sentimento de desprezo em relação ao Chile, que foi originado com a Guerra do oceano pacífico em 1789, quando o Chile tomou a parte do território boliviano que dava acesso ao oceano. Este evento ajudou a aumentar a tensão em relação ao plano de vender o gás através dos portos chilenos. Ao invés de verem seu governo vendendo o gás a investidores estrangeiros, muitos bolivianos querem que ele seja industrializado nacionalmente, devido à necessidade por emprego e renda.
O presidente da Bolívia, Gonzalo Sanches de Lozada, sustenta que os milhões em lucro coma venda do gás para os EUA gerarão empregos e estabilizarão a economia boliviana. Ele prometeu que o dinheiro gerado iria direto para financiamentos na área da saúde e educação. Mas muitos bolivianos acreditam que as empresas estrangeiras e os líderes políticos e comerciais serão os únicos a se beneficiarem da venda.
Os resultados de uma pesquisa recente conduzida por Equipos Mori, para a rede de TV boliviana Unitel, mostram que 70% da população do oeste da Bolívia, a maioria localizada nas cidades de La Paz, El Alto e Cochabamba, rejeitam a proposta de exportação do gás. Enquanto que 58% da população na região sul do país, onde as maiores empresas e reservas de gás se encontram, Santa Cruz, Tarija e Sucre, apóiam a proposta. (n..t.: Tais números não devem ser levados em alta consideração, posto que a pesquisa foi realizada a mando da mídia corporativa, ligada, como em todos os países latino-americanos, às pretensões governamentais. Deve-se também levar em conta que a região sul do país é de população infinitamente inferior à do oeste, onde se localiza a capital do país). - La Prensa, 24/09/03
Aqueles que são contra a exportação do gás demandam discussões mais abertas em relação ao destino das reservas naturais do país. Ainda assim, a falta de respostas siginificantes por parte do governo criou a necessidade da ação direta.
Na sexta-feira, 19 de setembro, dezenas de milhares de pessoas protestaram nas cidade em toda a Bolívia. Estas marchas provam que existe um grande número de cidadãos que estão dispostos a greves e à construção de extensos bloqueios de rua, caso o plano de vender gás através do Chile consolide-se.
No dia 19 de setembro, numa quantidade de manifestantes que a cidade de Cochabamba não via desde Abril de 2000, durante a "guerra da água", aproximadamente 10,000 pessoas marcharam pelas ruas até a praça. O protesto foi realizado majoritariamente por plantadores de coca da região próxima de Chapare, a maioria dos quais havia deixado suas fazendas para viajar de ônibus durante toda a noite, em direção à cidade.
Placas de protesto na praça principal de Cochabamba diziam "Não ao gás para e através do Chile" e "Soldados - a quem estão defendendo?". Enquanto isso, figuras políticas como Evo Morales, o líder do movimento para um partido socialista, e Oscar Olivera, o porta-voz do Alto Comando do Povo, falava para uma multidão rouca.
Ao chamar as pessoas para uma ação contra a exportação, Morales ameaçou: "Se o governo decidir-se por exportar gás através do Chile, suas horas estão contadas" (Los Tiempos, 17/09/2003)
As forças policias, que tinham centenas de soldados que chegaram de La Paz para Cochabamba no dia anterior, estavam pouquíssimo representadas durante os eventos pacíficos, porém, impressionantes.
No dia seguinte, 20 de setembro, as forças de segurança da Bolívia tentaram "resgatar" cerca de setecentas pessoas que estavam presas nos ônibus num bloqueio de rua que durou uma semana em Sorata, cidade ao norte de La Paz. As pessoas que mantinham os bloqueios estavam protestando contra a venda do gás e também exigiam a liberdade aos líderes locais presos.
Dentre os presos no bloqueio havia cerca de setenta turistas americanos, alemães e ingleses. Sob recomendação urgente do embaixador americano, David Grenlee, o governo boliviano despechou as forças de segurança para o local, para que estas pessoas fossem retiradas da área bloqueada.
Quando os confrontos começaram na cidade de Warisata, bem próxima a Sorata, Mauricio Antezana, o porta-voz do presidente Lozada, disse que "eles haviam falado com os camponeses que estavam bloqueando Sorata e haviam chegado num acordo que permitiu que os numerosos ônibus partissem" (La Razon, 21/09). Mas quando as forças governamentais chegaram, a tensão aumentou e o acordo foi rapidamente desfeito.
As tropas começaram a abrir fogo indiscriminadamente contra os camponeses, enquanto também atirava ao acaso em residências e escolas. Alguns dos camponeses revidaram com suas próprias armas e pedras. Ao final, o confronto resultou em 7 mortos à bala, incluindo 2 soldados, uma mulher de 60 anos, um estudante, um professor, uma mãe e sua filha. Cerca de 25 feridos em ambos os lados.
Ainda que os oficiais do governo sustentem que as forças de segurança foram encurraladas (tocaiadas) pelos camponeses, investigadores de direitos humanos do El Defensor del Pueblo, a Assembléia Permanante de Direitos Humanos e a Comissão de Direitos Humanos do Congresso dizem que não há evidência de que os militares não foram encurralados e que apesar de os diálogos para o fim do bloqueio, os militares começaram os confrontos agressivamente.
Oficiais do governo disseram que grupos "terroristas, racistas e armados" seriam os culpados pela violência em Warisata. Na segunda-feira, fotos de camponeses armados estavam na página principal de jornais bolivianos. Muitos acreditam que esses comentários e essa propaganda têm como objetivo justificar o uso excessivo de força por parte dos militares em Warisata. Felipe Quispe, o líder da Federação Camponesa, disse que tais grupos terroristas não existem e que as forças de segurança provocaram o conflito. (La Razon, 23/09)
No entanto, em maio a um debate nacional em relação aos confrontos, a mídia diz que duarnte uma cerimônia no dia 23 de setembro, na qual os EUA deram 63 milhões de dólares em "ajuda para o desenvolvimento", o embaixador americano disse que a intervenção das forças de segurança em Warisata foi justificável.(El Diario, 23/09)
Dezenas de sindicatos e partidos políticos se reuniram na segunda-feira, 22/09, em Cochabamba, para decidirem como agir em relação às mortes em Warisata. Nesta reunião, vários líderes, incluindo os do Movimento Pelo Socialismo, o Alto Comando do Povo e o Sindicato dos Trabalhadores Bolivianos, disseram que se tais massacres persistissem no país, greves gerais e bloqueios de rua continuariam indefinidamente.
Os bloqueios continuam nas principais estradas da Bolívia e é provável que começarão novos bloqueios em Chapare e Cochabamba.
O uso excessivo de força em Warisata reduz a crença no governo, cessa qualquer diálogo construtivo e acende a chama da violência futura, pondo o destino dos recursos naturais da Bolívia em questão.
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