by Jó 11:51am Sat Dec 9 '00
jo@azine.org
Esta é talvez a tentativa mais detalhada de relato dos eventos ocorridos em Nice durante os dias 6 e 7 de Dezembro de 2000.
Traduzido e adaptado de um artigo publicado em Francês no IMC francês.
--------
Quarta-feira, 6 de Dezembro de 2000, véspera da abertura da Cimeira Europeia de Nice, cerca de 70.000 pessoas estão em Nice para as manifestações. A maior parte das pessoas estão ligadas à Confederação dos Sindicatos Europeus. Também há associações de desempregados, imigrantes, ambientalistas, grupos comunistas, anarquistas, grupos autónomos, activistas Curdos e Turcos, colectivos de mulheres, activistas Bascos e Corsos, etc. Estava previsto haver duas manifestações: uma com sindicatos e outras com activistas "anti-globalização", associações de desempregados, www.attac.org ,partidos progressistas e de esquerda, etc. na outra.
À última da hora acabaram por de juntar embora as suas exigências não sejam as mesmas.
De facto, os sindicatos apoiam a adopção da Carta dos Direitos Fundamentais dos Cidadão Europeus apenas criticando a sua fraqueza, o Colectivo por uma Contra-Cimeira (que agrupa muitas associações e colectivos) rejeita a carta liminarmente.
O percurso autorizado pelo presidente da câmara de Nice, um ex-militante da Front Nationale, era demasiado pequeno para tantos manifestantes. Talvez por isso, os sindicalistas achavam que tudo tinha corrido muito bem, mesmo que as marchas ainda mal tivesses começado.
As manifestações decorreram com toda a calma e muitos dos sindicalistas voltaram calmamente aos seus países de origem logo após as manifestações.
À noite as pessoas reuniram-se no Ginásio Leyrit para participar numa reunião. A Susan George disse que as instituições sensaboronas não iriam mudar o mundo e que a mudança nunca viria de cima. A seguir falou François Dufour em nome da Confédération Paysanne e explicou que José Bové não estava presente porque tinha sido, inexplicavelmente detido em Paris uns dias antes.
Tal como em Praga, os italianos do Ya Basta e outros viram vedada a entrada do comboio onde circulavam. Este comboio que viajava com o nome de "Global Action Express" foi detido ao abrigo da suspensão do tratado de Schengen que, para impedir a entrada do comboio com cerca de 2.000 italianos, foi suspenso entre Itália e França durante o tempo que durar a Cimeira Europeia. Após uma noite passada no comboio, já que mesmo a circulação destes activistas esteve limitada na fronteira do lado italiano. Houve uma tentativa de deslocação ao consulado francês que a polícia italiana reprimiu duramente. A polícia disparou gás lacrimogéneo a curta distância e utilizou violência para obrigar as pessoas a regressar aos comboios.
Como resposta a este bloqueio da fronteira milhares de activistas dirigiram-se à estação central de Nice e ocuparam-na. A polícia de choque apareceu em força e houve vários confrontos no centro da cidade.
Houve, também, alguns franceses e espanhóis que se deslocaram para a fronteira para apoiar os italianos lá retidos.
Durante todo o dia 7 a polícia patrulhava a cidade e pedia os documentos a toda a gente que parecesse suspeita ou estivesse num grupo de mais de 3 pessoas.
No dia 7 cerca de 5 ou 6 mil pessoas dirigiram-se, logo pela manhã, para a Acropolis (onde decorre a Cimeira Europeia). As pessoas divididas em grupos tentavam perturbar o acesso ao centro de congressos.
A chegado dos "chefes de estado" não foi muito perturbada. Em compensação o centro da cidade, que no dia anterior tinha sido calmo, foi palco de muitos confrontos com a polícia. O transito foi cortado e os activistas eram carregados pela polícia e noutras situações carregavam sobre as barricadas que protegiam o centro de congressos.
Houve confrontos, agências bancárias queimadas, janelas partidas. Os manifestantes não conseguiram bloquear o acesso ao centro de congressos que estava demasiadamente bem guardado.
Houve durante todo o dia uma nuvem de gás lacrimogéneo sobre a cidade de Nice.
Depois destes acontecimentos as pessoas voltaram para o local onde decorria a Contra-Cimeira. Mais tarde este local seria evacuado pela polícia que disparou gás lacrimogéneo e canhões de água para dentro da sala.
Nesse dia também decorreu um encontro de várias associações e NGO's para discutirem a possibilidade de trabalharem no sentido de uma verdadeira constituição europeia que não seja apenas uma declaração de princípios mas um documento realmente aplicado.
Este encontro também denunciou a acção das autoridades francesas, relativamente aos italianos, como "anti-europeias".
Houve uma manifestação do partido fascista Front Nationale, que tinha sido devidamente autorizado pela câmara de Nice. Esta manifestação terminou em confrontos entre os fascistas e um grupo de anti-fascistas que se deslocou ao local.
Durante a tarde houve uma manifestação de federalistas europeus. Um grupo de jovens, em particular, organizou um sit-in que foi violentamente reprimido pela polícia de choque. Ironicamente, tudo isto aconteceu poucas horas depois da aprovação da famosa Carta dos Direitos Fundamentais dos Cidadão Europeus.
Também durante a tarde, um grupo de activistas autónomos atirou bombinhas de mau cheiro para delegações de bancos, supermercados e cadeias de fast-food. Com esta acção queriam demonstrar que há coisas que cheiram muito mal neste mundo.
Nessa noite houve ainda uma assembleia geral, no recinto que tinha sido evacuado de tarde e mais tarde recuperado.
Muitas das pessoas tentaram sair da cidade mas para isso tinham que passar pelas barreiras policiais o que nem sempre era agradável.
O número de prisões foi de 30 a 60, conforme a fonte.