Eis uma entrevista que apresenta um balanço das mobilizações em Praga. Ela foi realizada com um membro de uma organização suíça muito envolvida no seio da Ação Global dos Povos Contra o Livre Comércio (AGP).
Louise
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De 26 a 30 de setembro últimos deu em Praga o encontro anual do FMI e do Banco Mundial. Uma nova ocasião para os anti-globalização capitalista fazerem ouvir suas vozes na rua. Olivier de Marcellus, membro da Action populaire contre la mondialisation era um deles. Nós lhe pedimos que nos relatasse os eventos em uma entrevista realizada no último dia 3 de outubro.
Qual foi a origem dos protestos em Praga?
Logo que souberam que o FMI e o Banco Mundial se reuniriam em Praga, o grupo que havia organizado no mesmo lugar os Dias de Ação Global de 98 e 99 decidiu organizar alguma coisa. Eles ampliaram sua coordenação a outros grupos sob o nome INPEG (Iniciativa Contra a Globalização Económica). Todos estavam de acordo sobre o fato de que se deveria tentar bloquear o encontro, e não somente fazer uma balada na cidade. Em seguida pediram à Ação Global dos Povos que fizesse uma chamada a um Dia de Ação Global, a fim de organizar as ações descentralizadas por todo o mundo neste dia.
Como era organizada a mobilização?
A INPEG havia decidido tentar retomar o modelo de organização de Seattle, quer dizer, de maneira não hierárquica, por grupos de afinidades, com os porta-vozes que se coordenam, etc. Eu achava que esta era uma super idéia, mas eu receava que com os recursos deles, ela seria uma fachada caricatural. Jamais eu teria imaginado que ela funcionasse tão bem, ainda mais que se tratava desta vez de coordenar não somente tchecos, mas também milhares de pessoas vindas de toda parte do mundo. A participação européia foi muito forte, com mais de mil pessoas da Grécia, a mesma quantidade da Itália, quinhentas da França, milhares de outras da Inglaterra, da Espanha, da Alemanha, da Finlândia e de outros países do leste. Os grupos de afinidade funcionaram extremamente bem, as pessoas eram organizadas por tarefas específicas: transmitir as comunicações, escolher os vídeos, dar os primeiros socorros após os gases, bloquear uma zona específica, etc. Os mídias independentes foram também muito importantes. Graças ao site Indymedia na internet, podia-se saber a cada hora o que se passava.
Como a manifestação se desenrolou?
A grande manifestação convocada pela INPEG aconteceu Terça-feira, dia 26. Mas outras formações, como o Jubilee 2000 ou os sindicatos, que não quiseram entrar na lógica dos bloqueios, convocaram a encontros nos dias precedentes, reunindo notadamente 5000 pessoas no Domingo. Neste dia aconteceu também uma manifestação de fascistas contra a globalização, que mal fez aumentar a tensão. Uma contra-manifestação foi imediatamente posta de pé, que dispersou os fascistas a golpes de porrete até a estação.
Na Terça-feira, perto de vinte mil manifestantes, de tendências e países diferentes, estavam de acordo em tentar bloquear o encontro do FMI e BM, mas com concepções muito diferentes sobre a maneira d o fazer. A manifestação foi então dividida em quatro partes. A primeira, composta essencialmente pelo SWP inglês (Partido Socialista dos Trabalhadores inglês), queria dar uma volta pela cidade antes de se atacar o centro de convenção onde o FMI se encontrava. Os italianos do Ya Basta conduziram a parte mais direta (o caminho principal) na direção ao edifício, atacando de frente de maneira determinada mas não violenta (graças aos seus uniformes estilo futebol americano, capacetes, etc., às barreiras da polícia que lhes bloqueavam o acesso à ponte). As duas últimas partes de aproximaram do objetivo pelos lados com , ao sudeste, uma parte mais "soft" conduzida pelo Reclaim The Streets e o comitê internacional de pilotagem da AGP e ao sudoeste, o "Black Bloc" dos anarquistas (os poloneses e tchecos estavam ali em grande número), preparados para os enfrentamentos mais duros com a polícia. Era realmente uma estratégia militar, e o mais incrível é que ela funcionou! O perímetro protegido pela polícia foi passageiramente forçado a recuar, seguros de terem sido bem sucedidos em transpor as barreiras. Se foi também bem sucedido em bloquear os delegados no interior durante um bom tempo. Eles tentaram evacuar por metró, mas o corredor até a estação não era bastante largo e os primeiros a tentarem passar foram lembrados pelas pedras e bateram em retirada! Vários delegados foram feridos. Depois eles não quiseram mais sair porque estavam com medo, eles viam as barricadas em chama do lado anarquista, era o pânico à bordo! (Walden Bello publicou uma narração de uma testemunha do interior da Assembléia. Eloquente!). Finalmente a polícia conseguiu os fazerem passar, e foram vistos descerem ao metró (fechado ao público na ocasião)como ratos. Embora não tenham sido impedidos de entrarem no Centro de Convenção, o encontro foi mais atrapalhado do que em Seattle. Eles cancelaram o terceiro dia de reunião, sustentando que não era devido às manifestações. [Outros relatos contam que no segundo dia do encontro poucos delegados saíram de seus hotéis pelo medo que tinham ficado do que viram no dia anterior. Por isso o terceiro dia de reunião foi cancelado. N. do T.]
De tardinha, uma reunião no local da ópera impediu a presença dos delegados do FMI em uma cerimónia oficial. Os manifestantes bloquearam todas as entradas e a cerimónia foi cancelada. No local, os músicos parisienses da Frente Musical de Intervenção deram um super concerto de músicas revolucionárias, enquanto os helicópteros passavam impotentes no céu. Uma noite de sonho! [Além dos músicos revolucionários franceses havia o grupo de samba inglês na ocasião. Algumas pessoas contam que não queriam estar em nenhum outro lugar do mundo neste momento, foi um momento mágico... Imaginem um carnaval popular revolucionário impedindo a nobreza de assistir sua ópera... N. do T.]
A imprensa reportou atos de extrema violência de parte dos manifestantes. O que você pode dizer a respeito?
Eu não estava ao lado do "bloco negro" [o Black Bloc anarquista, N. do T.]. é claro que lá os manifestantes atacaram duramente, mas não houve nenhum ferido grave. Durante a noite, houve efetivamente destruição, mas os manifestantes pegaram somente os Mc Donalds, as transnacionais e os bancos. [Os observadores legais independentes presentes em Praga irão processar a polícia tcheca pois existem testemunhas e provas em vídeo de que policiais vestidos de manifestantes quebraram Mc Donalds e outras propriedades, com o intuito de criminalizar e criar uma certa imagem negativa dos manifestantes, N. do T.]. De fato, foi muito mais "disciplinado" do que em Genebra em 98, os ataques eram direcionados.
Fora das manifestações, uma contra-reunião era organizada. Como isto se passou?
A contra-reunião foi também organizada pela INPEG. De uma parte, uma série de experts, como Eric Toussaint, Sylvia Federici, etc., foram reunidos para um debate sobre a globalização, do FMI e do BM. De outra parte, a AGP organizou oficinas no centro de convergência animadas pelos representantes dos movimentos populares do sul. Em outro local as ONGs organizaram seus próprios encontros à margem da mobilização da INPEG.
O que se pode dizer da repressão policial durante e sobretudo após a manifestação?
Durante a manifestação, a polícia utilizou canhões de água, de gás lacrimogêneo, atirou balas de borracha, mas visivelmente as ordens eram de guardar as posições defensivas. Mas a partir das 22h00 os arrastões começaram. Em uma hora, eles prenderam trezentas pessoas. Dezenas de caminhonetes das forças especiais passavam em todas as direções. Eles verdadeiramente quadriculavam a cidade. Mil policiais suplementares foram convocados do interior para juntarem-se aos onze mil já presentes. Ao todo, cerca de novecentas pessoas foram presas.
Uma vez na prisão, as brutalidades eram inauditas. Pernas, braços e dentes quebrados, corredores-polonês, mulheres "revistadas" exaustivamente por policiais homens, obrigadas a ficarem nuas e fazer exercícios diante deles, privações de água e comida, golpes nas partes genitais dos homens, etc. Trinta porcento dos policiais tchecos votam na extrema-direita, os negros e os israelenses tiveram então um tratamento especial. Ma acompanhante de um grupo de apoio da AGP teve a bacia e um braço quebrado tentando escapar do posto policial.
No hospital o médico lhe recusou calmantes "para que ela tivesse a cabeça clara para o interrogatório da polícia"! Quando ela gritou pelos calmantes uma enfermeira lhe torceu a perna quabrada para lhe fazer calar. Antes da repercussões nos seus países, muitos estrangeiros foram enviados para campos de internamento destinados à "medidas de constrangimento" tchecas nos quais os guardas eram decididamente skinheads. Restam oficialmente quinze estrangeiros na prisão, mas há uns sessenta "desaparecidos" e os acusados tchecos correm um risco muito grande.
Como você disse, o 26 de setembro era também a ocasião de uma nova jornada de ação mundial. Quais são os ecos das diferentes ações organizadas no mundo?
Esta jornada ultrapassou todas as expectativas. Passou-se de 70 cidades, quando dos dias de ação global precedentes, para 110 cidades desta vez. A novidade é também que os depoimentos sobre as diferentes ações por todo o mundo são centralizadas imediatamente sobre a net, sobre o site da Indymedia. Mais de 70 cidades, de Varsóvia à Bombaim, Dhaka,Ddakar, sydney, Capetown e Tel Aviv passando pela América do Sul e as cidades dos Estados Unidos, já forneceram avaliações de suas ações no site do s26 ou da Indymedia (www.prague.ndymedia.org, também acessível pela página da AGP www.agp.org). Veja, é genial!
Segundo você, Praga representa um salto qualitativo no processo atual de luta contra a globalização?
Do ponto de vista da importância política, eu penso que a um salto igual de Genebra à Seatlle e de Seattle à Praga. Primeiro, a organização de um evento também enorme por grupos de afinidade que permite por exemplo fazer manobras quase militares mas com uma organização não hierárquica. Esta é uma forma de luta retirada da cultura política anglo-saxónica e é a primeira vez que ela é passada ao continente europeu. Para nós, um enorme passo adiante. Depois, o sucesso da mobilização em um país do leste é histórico. Não se tinha visto isto desde 68! Apesar do fato da forte campanha desde há seis meses que dizia que era uma mobilização de "hooliogans" e de terroristas, os tchecos participaram massivamente na manifestação (menos de um terço das pessoas presas eram estrangeiras). Os habitantes frequentemente nos manifestavam seus apoio de outros lugares, das janelas e dos ónibus. Enfim, não resta mais dúvida que um novo movimento mundial está lançado. Do Brasil à Austrália os jovens retornam às ruas. Em Praga mesmo havia muito menos ONGs e sindicalistas, mas duas vezes mais jovens em ação do que em Seattle. Eu jamais ousei fazer profecias antes, mas a minha vista, e um novo 1968. é verdadeiramente um ciclo internacional de lutas que se reparte. E mais, desta vez ele é mais consciente e mais organizado. Será preciso aproveitar bem esta ocasião!