Jornal Ação Direta especial sobre a ALCA

AÇÃO DIRETA

Setembro de 2002 • Uma publicação do Centro de Mídia Independente • www.midiaindependente.org

A ALCA é muito pior do que você pensa

Acordo pode gerar desigualdade, perda de direitos e degradação ambiental

São Paulo, 20 de abril de 2001: os defensores da ALCA apresentam seus argumentos
Foto: A.R.

ALCA é a sigla para Área de Livre Comércio das Américas, um acordo que visa constituir um bloco comercial com livre circulação de bens, serviços e capitais em todo o continente americano (com a exceção de Cuba).

A ALCA começou a ser discutida em 1994 por iniciativa dos Estados Unidos que queriam ampliar a experiência do NAFTA (Acordo de Livre Comércio da América do Norte) para todo o continente.

O processo de negociação da ALCA é alvo de muitas críticas, uma vez que é totalmente feito a portas fechadas sem a participação da sociedade civil ou mesmo do poder legislativo dos países. Depois de protestos populares em Buenos Aires e Québec em abril de 2001, os governos decidiram divulgar uma versão parcial do acordo em julho do mesmo ano. Essa versão liberada é confusa porque lista propostas contraditórias entre os países que participam das discussões sem mencionar quem sugeriu o que.

Como já divulgaram essa versão preliminar e obscura, os governos executivos acham que já deram por cumprido seu dever "democrático". Todas as negociações posteriores continuaram e continuarão sendo feitas às escondidas, sem a participação e nem mesmo o conhecimento da sociedade civil, da imprensa ou dos congressos. Apesar disso, mais de 500 grandes empresas têm acesso ao conteúdo do acordo na condição de "assessores".

Com base no que já acontece no NAFTA e na OMC e no que se sabe da versão liberada do acordo, a ALCA pode gerar maior desigualdade social, perda dos direitos trabalhistas, privatização de serviços sociais, regras mais rígidas de propriedade intelectual e pode dar às empresas poder para barrar leis sociais que ameacem seus lucros.

Globalização pag. 02
NAFTA pag. 03
Investimentos pag. 04
Você não foi convidado pag. 05
Patentes pag. 06
Agricultura pag. 07
Servicos Sociais pag. 08

Segundo semestre é marcado por mobilizações contra a ALCA

Plebiscito e protestos mostram descontentamento com o acordo

As mobilizações contra a ALCA no segundo semestre seguem um processo de contestação do acordo que se intensificou desde abril do ano passado. Nos dias 6 e 7 de abril de 2001, milhares de pessoas protestaram em Buenos Aires contra o encontro de ministros da economia que discutiam a ALCA. Duas semanas depois, em 20 de abril, outras milhares de pessoas saíram às ruas em todo o continente para protestar contra a reunião de chefes de estado que estava acontecendo em Québec. Para proteger o encontro do descontentamento popular foi construída uma cerca de mais de dez quilômetros de extensão e três metros de altura. Em várias outras cidades do continente, como Tijuana, São Francisco, Santiago e Nova Iorque, pessoas saíram às ruas simultaneamente para protestar contra o acordo. Em São Paulo, duas mil pessoas protestaram contra a ALCA e foram duramente reprimidas pela polícia. A presença dos jovens nas ruas e a violenta repressão policial chamou a atenção da opinião pública e colocou o tema da ALCA em debate no Brasil.

No começo do mês de setembro, a campanha continental contra a ALCA ganha o reforço do Plebiscito Nacional contra a ALCA, uma iniciativa que pretende reunir dez milhões de pessoas para opinar sobre o acordo e seu processo de negociação. No mês seguinte, de 31 de outubro a 1 de novembro, enquanto ministros de estado de todo o continente se reúnem para discutir a ALCA em Quito, no Equador, milhares de pessoas devem sair às ruas de todo o continente para protestar contra a ALCA. No Brasil, diversos grupos de base estão se organizando para protestos simultâneos contra o acordo e seus efeitos nocivos aos direitos sociais e ao meio ambiente.

Para maiores informações, acompanhe as notícias no site do Centro de Mídia Independente (www.midiaindependente.org) e análises aprofundadas no site www.alcaralho.org do grupo Ação Local.


Globalização aumenta desigualdade

Liberalização econômica gerou maior desigualdade no mundo

Embora o termo "globalização" seja aplicado a coisas muito diferentes, do ponto de vista econômico ele normalmenpe s refere ao processo de liberalização que aconteceu em todo o mundo a partir do final dos anos 70 e início dos anos 80. Esse processo consistiu em retirar leis que regulamentavam o fluxo internacional de mercadorias, serviços e capitais e que protegiam os trabalhadores e o meio-ambiente, esperando que a competição internacional livre aumentasse a produtividade e gerasse bem-estar econômico para todos.

Vantagens comparativas

A base desse pensamento liberal é a teoria das vantagens comparativas, uma teoria formulada pelo economista inglês David Ricardo no século XIX. Essa teoria diz que cada país deve se especializar naquela atividade em que é mais produtivo e deve importar os outros bens de outros países (que supostamente também se especializaram no que são mais produtivos). Com essa especialização generalizada, cada país estará aproveitando sua capacidade produtiva ao máximo e o resultado será o crescimento generalizado para todos. Mas, para que essa especialização possa ser levada a termo e o crescimento econômico possa ser fomentado, é preciso que cada país desregulamente as trocas internacionais, ou seja, que cada país retire as taxas de importação e outras modalidades de barreiras ao comércio internacional.

Países ricos mais ricos,
países pobres mais pobres

Embora a teoria das vantagens comparativas preveja um maior crescimento econômico, ela não prevê com quem ficará a riqueza gerada por esse crescimento. A experiência dos últimos vinte anos nos mostra que a liberalização da economia aumentou a desigualdade entre os países ricos e os países pobres e, dentro de cada país, entre os cidadãos mais ricos e os cidadãos mais pobres. Diversas análises baseadas no desenvolvimento do Produto Interno Bruto mostram que, com a exceção de China, Índia e Indonésia (que não liberalizaram suas economias) e de alguns países nórdicos (cujo sistema de segurança social permaneceu relativamente intocado pelo ataque liberal), houve um aumento drástico do abismo que separa os países ricos dos países pobres desde os anos 80. Um estudo recente do Banco Mundial mostrou que a concentração de renda no mundo aumentou entre 1988 e 1993 numa escala de 1% ao ano. A população 1% mais rica do mundo tem a mesma renda que os 57% mais pobres. A concentração da riqueza com os países mais ricos se explica por, pelo menos, dois fatores. Em primeiro lugar, por que os países ricos se especializam na produção de bens de alto valor agregado, bens que exigem maior investimento, mas que são também proporcionalmente mais rentáveis. Enquanto um país rico se especializa na produção de manufaturados complexos, eletrônicos e bens de capital (máquinas para indústrias), um país pobre típico se especializa na produção agropecuária e têxtil. Como nos países pobres os empresários têm pouco dinheiro para investir, seu retorno também vai ser proporcionalmente menor, gerando um ciclo de concentração de capital. Além disso, os países ricos têm mais poder político para controlar os preços no mercado internacional e para abrir exceções à liberalização econômica - exceções que só valem para eles. Assim, vimos recentemente os Estados Unidos pregarem o livre comércio, mas criarem tarifas para a importação do aço, protegendo sua indústria da competição internacional. O mesmo aconteceu com a agricultura na União Européia.

Executivos mais ricos,
trabalhadores mais pobres

No que diz respeito à concentração de renda dentro de um país, ela pode ser explicada, entre outros fatores, por um fenômeno conhecido como a "corrida para o fundo do poço". Com as trocas internacionais desregulamentadas, os investimentos circulam livremente entre os países, mas as leis de proteção ao trabalho ficam ainda restritas ao âmbito nacional. Essas leis melhoram a condição de vida do trabalhador ao estabelecer pisos salariais e rendimentos adicionais na forma de benefícios sociais. A maior parte desses direitos foram conseguidos pelas lutas diretas dos trabalhadores nos anos 10 e 20 do último século. A corrida para o fundo do poço consiste na chantagem que as empresas fazem aos trabalhadores ameaçando se mudar de um país caso eles não cedam em perder certos direitos. Dessa forma, por exemplo, uma empresa automobilística pode pressionar seus trabalhadores nos Estados Unidos ameaçando se mudar para o Brasil onde o custo da mão de obra é mais barato, caso eles não cedam na perda dos direitos.

A imprensa corporativa normalmente celebra esse mecanismo, argumentando que esse processo levará a mais investimentos nos países pobres, onde a mão de obra é "mais barata" (tem menos direitos) e, portanto, gerará mais empregos e mais desenvolvimento. No entanto, a mesma chantagem que a empresa faz aos trabalhadores americanos ela faz aos trabalhadores brasileiros. Embora os trabalhadores aqui já tenham muito menos direitos que nos países ricos, eles sofrem pressão para perder esses poucos direitos. Se não cedem, a empresa pode se mudar para outro país pobre, onde os trabalhadores são ainda mais explorados. O resultado é uma perda generalizada de direitos pelos trabalhadores em todo mundo.

ALCA:
"globalização continental"

A formação de blocos de livre comércio em regiões ou continentes faz parte da chamada "globalização". Como há muitas dificuldades políticas para promover a liberalização comercial em nível mundial, vários governos têm tentado a liberalização num nível mais restrito, entre países vizinhos. É o caso de blocos comerciais como o NAFTA e a União Européia. Com a ALCA, teremos a formação da maior área de livre comércio do mundo e, se depender da orientação dos negociadores, haverá regras de desregulamentação mais radicais do que em qualquer outro bloco comercial.

Quer acabar com a ALCA?
Pergunte-me como!

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ALCA será o NAFTA Plus

Efeitos da liberalização sobre os indivíduos e o meio ambiente

Fonte: Banco Mundial, 21 de maio de 2001

Bill Clinton estava certo quando disse que a Área de Livre Comércio das Américas, a ALCA, nada mais será do que uma extensão do NAFTA, o Tratado de Livre Comércio da América do Norte. O NAFTA é um acordo assinado em 1994 entre os EUA, México e Canadá que visa a eliminação das barreiras comerciais entre os países em um prazo de dez anos após sua criação.

A ALCA será uma zona de livre comércio como o NAFTA, só que feita em maiores proporções, envolvendo todo o continente americano, com exceção de Cuba. Como o NAFTA, a ALCA será um acordo que não terá incluído dentro de seu conteúdo, qualquer ressalva que estabeleça a proteção de direitos trabalhistas, direitos humanos, do meio ambiente, das normas de saúde ou cuidados com as condições sociais das populações onde o acordo se fizer valer.

No México, apesar do aumento da produtividade de 47% no período de 1993 a 2000, os salários perderam seu poder de compra em aproximadamente 48%. Com o NAFTA, o número de mexicanos vivendo na pobreza cresceu 7% de 1994 a 1998 - ano em que a participação no capital nacional dos 10% mais ricos da população avançou e a dos 20% mais pobres foi a mais baixa dos últimos 20 anos.

Desde o início do acordo, o número de mexicanos empregados em fábricas que produzem bens de exportação mais do que dobrou. No entanto, os empregos continuam aumentando somente nas cidades de fronteira com os EUA. O trabalho informal é responsável por 50% dos empregos no México. Por isso, metade dos empregados do país vive com baixos salários, sem boas condições de trabalho, sem direito à sindicalização, sem aposentadoria e férias e sem direito à licença por doença, maternidade ou paternidade.

A poluição do ar no México praticamente dobrou depois do início do NAFTA. Um grande número de indústrias que transferiu sua produção para o país passou a emitir poluentes num altíssimo nível - e não houve nem sinal de fiscalização por parte do governo mexicano. O transporte rodoviário entre fronteiras, que aumentou 150%, foi outro responsável pelo aumento da emissão de poluentes como monóxido de carbono (CO), óxidos de nitrogênio (NOx), dióxido de enxofre (SO2), ozônio (O3), compostos orgânicos voláteis, entre outros.

Nos EUA, a busca pela mão de obra barata fez com que as empresas transferissem sua produção para o México com o intuito de aumentar seus lucros. O resultado disso para os trabalhadores foi o desemprego, a queda nos salários e a piora nas condições de trabalho. Alguns cálculos apontam uma perda de 766 mil empregos nos EUA entre 1994 e 2000 e uma diminuição em torno de 23% nos salários. Os trabalhadores americanos têm sofrido constantes ameaças das empresas, que usam como argumento a possibilidade de deixar o país e transferir as indústrias para o México. Com esse mesmo argumento, as empresas têm combatido os sindicatos e impedido a exigência de melhores salários ou qualquer elevação na qualidade do trabalho.

No Canadá, desde o início do NAFTA, 276 mil trabalhadores perderam seus empregos e a maioria dos novos trabalhos é na área de serviços. Além disso não são sindicalizados, ou seja, como ocorreu nos EUA, os trabalhadores canadenses estão impossibilitados de se organizar em sindicatos para fazer reivindicações em grupo. As empresas também fizeram ameaças aos trabalhadores de transferir sua produção para o México caso fossem exigidos melhores salários ou condições de trabalho mais adequadas. Hoje, cerca de 45% da força de trabalho canadense está dentro do que se chama de trabalho "flexível", ou seja, empregos com carga horária e vínculos empregatícios reduzidos.

A assinatura do NAFTA, portanto, representou um tratado de hegemonia das empresas sobre os indivíduos e o meio ambiente. Nos três países envolvidos no acordo, os salários e os empregos diminuíram, as condições de trabalho pioraram e o meio ambiente sofreu graves conseqüências. Quem lucrou com o NAFTA? Somente as empresas. Já imaginou o que pode acontecer caso a ALCA seja aceita?

Caça-Palavras

Em 1998 diversos grupos de base uniram-se para formar a AGP, a Ação Global dos Povos, que utiliza a ação direta para lutar contra o capitalismo. Outra coalizão mais atuante no campo é a Via Campesina. Naomi Klein é a autora do livro Sem Logo, que fala sobre corporações como o McDonalds, que exploram trabalhadores em todo o mundo. O livro fala também do movimento de resistência onde grupos como os Tute Bianche lutam contra estas corporações.O capital não se reforma, se destrói. O FMI é o maior culpado pela dívida externa no Brasil. OGM são organismos geneticamente modificados, ou seja, os famosos transgênicos. Não odeie a mídia, seja a mídia, participe do Indymedia! George W. Bush, que tem o segundo menor QI entre os presidentes norte-americanos, quer implantar a ALCA.


Empresas aumentarão seu poder

Corporações poderão bloquear leis de interesse social

Entre todas as terríveis conseqüências que podem vir da ALCA, a garantia para investimentos talvez seja a pior. O capítulo sobre investimentos do acordo busca dar garantia a investidores estrangeiros contra ameaças a seus bens e permite que empresas processem governos sempre que isso acontecer. Tratando desses riscos como "expropriação de bens", o acordo compromete a possibilidade de criação de leis de proteção ambiental, trabalhista e sanitária que ameacem a lucratividade dos empreendimentos. Assim, por exemplo, se um investidor resolve produzir num país estrangeiro um bem ou serviço que afeta o meio ambiente ou a saúde das pessoas e, depois do investimento feito, uma nova legislação de proteção social diminui a lucratividade, o investidor tem o direito de pedir compensação financeira (o que será pago com o dinheiro do contribuinte) e com isso, em geral, consegue forçar o estado a suspender a legislação com medo de processos adicionais. Esse mecanismo já funciona no NAFTA e podemos estudar os efeitos danosos que já produziu por lá para prever o impacto que um dispositivo semelhante poderá causar se aplicado a todo o continente americano.

Empresa consegue reverter proibição de neurotoxina

O primeiro processo de empresas contra estados utilizando o capítulo de investimentos do NAFTA envolveu a empresa americana Ethyl e o governo do Canadá. A Ethyl é a fabricante de um aditivo para a gasolina chamado MMT: um aditivo desenvolvido nos anos 50 que melhora a performance de motores e que tem entre seus componentes o manganês, uma substância reconhecida como neurotoxina desde o século XIX quando operários das minas de manganês começaram a ter distúrbios neurológicos frequentes com sintomas semelhantes aos do mal de Parkinson. A contaminação por manganês causa rigidez muscular, tremores no corpo e dificuldades de movimento e de fala. A Agência de Proteção Ambiental americana proibiu o uso do MMT na composição da gasolina nos Estados Unidos em 1977 e a substância é proibida em muitos estados americanos e em quase todos os países da Europa. Preocupado com os efeitos do MMT, o parlamento canadense resolveu proibir o uso da substância como aditivo em 1997. No processo de discussão da medida, o no, notificando-o que, caso a legislação proibindo o MMT fosse aprovada, o Canadá seria processado. Com a aprovação da lei em abril de 1997, a Ethyl efetivamente entrou com um processo contra o governo canadense na Comissão de Leis de Comércio Internacional das Nações Unidas, exigindo o pagamento de 251 milhões de dólares pelos prejuízos causados. O argumento da Ethyl era que a proibição do MMT caracterizava uma "expropriação de seus bens", numa interpretação ampla que incluía o valor de sua fábrica, suas vendas futupróprio primeiro ministro do país, Jean Chrétien, descreveu o MMT como "uma neurotoxina perigosa". Em setembro de 1996, quando o tema começou a ser debatido no parlamento, a Ethyl tentou intimidar o goverras e a reputação da empresa. Em julho de 1998, o governo canadense, reconhecendo a derrota iminente no tribunal, entrou em acordo com a Ethyl. Pelo acordo, o governo pagava à empresa 13 milhões de dólares, suspendia a proibição do MMT e dava uma declaração pública por meio do ministério da saúde de que não havia evidência científica sustentando que o MMT fosse uma substância tóxica.

Políticas públicas bloqueadas por empresas em processos sigilosos

O caso Ethyl mostra que esse dispositivo permite que empresas não apenas consigam indenizações dos governos por qualquer legislação que comprometa seus lucros, mas ainda que, por medo dos prejuízos, a legislação seja retirada, às vezes mesmo no estágio inicial de discussão (essa era a intenção quando a Ethyl fez a primeira ameaça de processo). Além disso, o mecanismo de processo de empresas contra governos é marcado pela total falta de transparência, numa afronta ao direito democrático de controle e escrutínio. Os processos de empresas contra estados, que freqüentemente têm como disputa políticas públicas, acontecem em tribunais que podemos caracterizar como privados. São tribunais especiais, fechados, compostos por três juízes apontados pelas partes que decidem sem o auxílio de jurados. No NAFTA, os tribunais designados para a resolução das disputas entre estados e empresas são tribunais do Banco Mundial e das Nações Unidas.O mecanismo que permite o processo de empresas contra estados sob o NAFTA deve ser incorporado integralmente na ALCA, sem variações significativas, se a vontade dos negociadores prevalecer. Na versão preliminar do acordo, liberada em setembro de 2001, todas as propostas (ou seja, todas as versões do capítulo propostas pelos diferentes países) incluem mecanismos de processo de empresas contra estados e contêm uma definição de expropriação suficientemente ampla a ponto de conter perdas de lucro advindas da introdução de legislação social e ambiental.

ilustração: Darrrin Drda

Não te convidaram para a festa

Negociações da ALCA são fechadas à sociedade civil

Quebec, 20 de abril de 2001: a ALCA (em inglês FTAA) na contramão da democracia

As negociações da ALCA tiveram início na Cúpula das Américas em Miami (EUA), em 1994, quando os EUA acabavam de fechar o acordo do NAFTA. A Cúpula reunia chefes de Estado de todos os países da América, com exceção de Cuba. Nesse episódio, foi solicitado que se constituísse uma "tríade do mal" para auxiliar as negociações, composta pela OEA (Organização dos Estados Americanos), pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e pela Comissão Econômica das Nações Unidas para América Latina e Caribe (CEPAL). Numa reunião em Denver (EUA), em 1995, com os ministros de comércio dos 34 países e a tríade, foram criados grupos de negociação referentes aos vários aspectos englobados pelo tratado. Em 1998, a reunião de São José (Costa Rica), definiu a atual estrutura de negociação e os nove grupos, que trabalham sobre os seguintes temas: acesso a mercados, investimento, serviços, compras governamentais, solução de controvérsias, agricultura, direitos de propriedade intelectual, subsídios, políticas de competição, anti-dumping e medidas compensatórias. Nessa mesma ocasião, reuniu-se também o Fórum Empresarial das Américas, composto por representantes de empresas, que podem fazer propostas, influenciar o curso das negociações e consolidar sua posição como um grupo. São representantes de cerca de 500 empresas, a maioria norte-americanas.

Temos a essa altura, por ordem de influência nas negociações, a participação dos chefes de Estado, dos ministros e vice-ministros de comércio, de nove grupos de negociação (coordenados pelos vice-ministros de comércio), de 3 instituições multilaterais (OEA, BID e CEPAL) e de grandes empresas. Desde então, houve outras reuniões, mas nenhuma alteração substancial no quadro dos negociadores e participantes. Você não encontrou seu convite? Pois é, se você não é um chefe de Estado, ministro, executivo de multinacional, ou outro grande representante dos interesses dos ricos escolhido para acompanhar as negociações, você provavelmente não foi convidado.

As negociações da ALCA têm sido fechadas à sociedade civil, ou seja, à imensa maioria da população que vai sofrer seus efeitos. Nenhum congresso, de nenhum país teve acesso às negociações, inclusive o congresso norte-americano, mesmo pressionando o governo para poder participar. Mas 500 grandes empresas têm. Esse já é um bom indício do que está por vir. Muitas ONGs exigiram participar das negociações, em forma de grupos de trabalho, abordando os temas de governo democrático, direitos trabalhistas e humanos, segurança do consumidor e meioambiente. Foram rejeitadas. Mais do que impedir a participação social nas negociações, os negociadores vedaram o acesso das pessoas comuns aos documentos referentes ao acordo e às suas versões.

Em julho de 2001, após imensa campanha e mobilização social, foi divulgado na internet um rascunho do acordo, com todas as propostas, de todos os países, porém sem identificação do que partiu de quem e do que pode ser aceito no acordo da ALCA. Temos, então, premissas contrárias umas às outras, que não ajudam a construir uma real idéia do que será o acordo. Pode-se chegar a algumas conclusões que não são animadoras após cuidadosa análise do documento, mas ele sozinho não permite uma dimensão do todo. Entretanto, a própria maneira como as negociações vêm sendo conduzidas, de forma autoritária e anti-democrática, indica que os interesses dos cidadãos serão os últimos a serem considerados. E são justamente esses interesses que serão atingidos com maior virulência, se as pessoas não passarem a ditar as regras.

Esse é um dos motivos pelos quais grupos radicais tentam impedir as reuniões de negociação, que são cercadas por um forte esquema de segurança. Em Quebéc, em abril de 2001, foram gastos 25 milhões de dólares em segurança para conter os manifestantes que exigiam o fim da reunião secreta. No mesmo esquema das reuniões da OMC, Banco Mundial e FMI, as rodadas da ALCA são cada vez mais eventos que acontecem sob a tensão que opõe representantes do poder dos ricos e pessoas comuns, impulsionando o ódio daqueles que estão cansados de não poder regular a própria vida.


Patentes aprisionam conhecimento

ALCA pode restringir quebra de patentes de remédios

Óculos de natação: 5 reais Máscara de gás: 17 reais Macacão branco: 10 reais Parar o processo da ALCA: não tem preço! Um dos pontos chave do acordo da ALCA diz respeito aos Direitos de Propriedade Intelectual. Esses direitos garantem que inventores ou artistas (e os grupos empresariais por trás deles) tenham total privilégio em relação ao uso e comercialização das suas invenções. Assim, um novo remédio, música, ou programa de computador, fica sob o domínio de uma só empresa ou por grandes períodos de tempo e só pode ser (re)produzido, comercializado ou utilizado de qualquer forma por esta empresa. Esses direitos de propriedade, traduzidos em patentes, copyrights e direitos de uso das marcas de mercado, batem de frente com o desenvolvimento e socialização do saber humano. Entretanto, as implicações dos direitos de patente não param por aí. A política dos EUA, através do seu escritório de patentes, é a de que tudo, absolutamente tudo, pode ser patenteado e monopolizado. Isso significa que principalmente sementes, plantas e outras formas de vida podem ser "roubadas" das pessoas e passarem a ser propriedade de empresas. Não há nenhum exagero no termo: trata-se literalmente de roubo, ou como isso vem sendo conhecido, biopirataria. A biopirataria consiste em patentear alguma planta ou semente, ou ainda outros recursos naturais, garantindo o monopólio deles para uma só empresa.

A face perversa das patentes: o monopólio de remédios e a AIDS

Tomando um exemplo tão concreto quanto dramático, temos a questão das patentes de remédios, em especial dos remédios contra a AIDS e HIV. Nesse caso, seria válida a licença compulsória, que permitiria a países pobres quebrarem as patentes das empresas e produzirem remédios genéricos contra a AIDS, já que esta é uma doença letal e ao mesmo tempo uma epidemia, questão de saúde pública. Há, nas regras da OMC, a possibilidade de os países produzirem os mesmo remédios que as empresas do exterior produzem, em caso de ameaça à saúde pública. Hoje, na América Latina, 1.4 milhões de pessoas têm HIV/AIDS, 150 000 pessoas foram contaminadas só no ano de 2000 e calcula-se que há 80 000 pessoas morrendo de AIDS atualmente. Mais de 20 % das pessoas abaixo do Saara, na África, estão com o HIV. Esse índice chega a 50 % entre os jovens sul-africanos. É um verdadeiro genocídio impedir o acesso dessas pessoas aos medicamentos. As indústrias farmacêuticas, principalmente nos EUA, tabelam os remédios de tratamento para AIDS a um custo de 10 a 15 000 dólares por pessoa por ano. Esses preços são inacessíveis a 95% das pessoas que convivem com o vírus hoje. A produção desses medicamentos custa muito pouco. Isso está provado porque os únicos países que tiveram força para enfrentar as restrições comerciais das patentes e o poder da empresa farmacêutica, apoiada no governo dos EUA, (tratamse do Brasil, África do Sul, Tailândia e Índia) conseguiram produzir versões genéricas do tratamento anti- AIDS ao preço final de 300 a 500 dólares por pessoa por ano. Para isso, foi necessária uma grande comoção mundial e o ativismo de milhares de pessoas durante anos. Se a concessão de patentes para remédios for baseada no lucro das empresas farmacêuticas, trinta milhões de pessoas morrerão de AIDS nos países pobres. Pelo simples fato de serem pobres.

ALCA e patentes: não duvide de que tudo pode sempre piorar

Hoje, antes da consolidação da ALCA, já há muitos exemplos de como a concessão de patentes através de regras baseadas apenas no comércio e lucro empresarial é prejudicial às pessoas. Pelas poucas informações que temos, espera-se que o acordo dê ainda mais poder às empresas, violando direitos tradicionais das populações e monopolizando o saber humano e a diversidade das espécies. Essas regras vêm sendo chamadas de TRIPS-plus, um estreitamento das TRIPS, as regras para patentes estipuladas pela OMC, as mesmas que já têm permitido o abuso das empresas sobre os povos. Um dos pontos cruciais do acordo da ALCA refere-se à concessão de licenças compulsórias, que são uma brecha dos acordos de patentes para que países possam produzir genéricos de produtos patenteados, nos casos em que a saúde pública ou preservação do meio ambiente estejam em questão. Com a ALCA, o direito da licença compulsória tende a se reduzir muito. Além do que, seria vetada a possibilidade de o país produzir o item se ele não fosse produzido internamente pela empresa detentora da patente. Por fim, há indícios de que a ALCA também estenderá o prazo de monopólio das patentes, que hoje é de 20 anos. Essas conseqüências são esperadas mediante a análise do que se liberou sobre o acordo da ALCA e dos tratados bilaterais (entre apenas 2 países) que os EUA vêm fazendo paralelamente.


Pequenos e médios agricultores correm risco com a ALCA

Com a implantação do acordo, poder das grandes empresas na agricultura pode ser intensificado

A concentração da produção de alimentos nas mãos de multinacionais pode ser uma das principais conseqüências da ALCA na área da agricultura. O capítulo sobre direitos de propriedade intelectual, previsto no acordo, deixa aberta a possibilidade de uma empresa, governo ou instituição patentear sementes e seres vivos, que passam a ser de sua propriedade exclusiva. Com isso, os pequenos e médios agricultores, impedidos de cultivar determinadas sementes e de concorrer com a produção das agroindústrias passam a depender das grandes empresas, assim como os consumidores.

O poder das indústrias agrícolas intensificou-se nas décadas de 50 e 60, quando o modelo de produção passou a ser baseado na mecanização e no uso de agrotóxicos e adubos químicos. Na época dizia-se que esse processo, conhecido como Revolução Verde, acabaria com a fome no mundo. O sistema realmente aumentou a produção em curto prazo, mas esgotou-se, prejudicou a fertilidade do solo e não resolveu o problema da distribuição dos alimentos, que é um problema político e não tecnológico.

Atualmente a biotecnologia, tida como uma extensão da Revolução Verde, é o modelo de produção que ressuscita a tese de que a tecnologia acabará com a dificuldade de alimentação para todos. A biotecnologia atua sobre organismos, alterando seus genes (que são a base que determina as características do organismo) e criando os transgênicos - com o objetivo de que resistam às pragas ou substâncias químicas e possuam maior valor nutricional. As cinco maiores empresas de sementes do mundo estão entre as dez maiores farmacêuticas e empresas químicas. A tendência é que o poder das multinacionais na agricultura, após a assinatura da ALCA, cresça ainda mais.

A Monsanto é um grande exemplo desse monopólio na área agrícola. Ela produz a soja Roundup-ready, altamente produtiva e capaz de sobreviver a altas quantidades do agrotóxico Roundup - não por acaso, também produzido pela Monsanto. Mas essa soja ultraprodutiva é estéril, o que faz com que a cada nova safra o agricultor tenha que comprar sementes da Monsanto, criando um ciclo de dependência em relação à empresa. A Monsanto é responsável por reiteradas tentativas de ampliar a lei de patentes no continente, juntamente com o governo e outras corporações norte-americanas. Essas modificações na lei poderiam permitir o cultivo de transgênicos no Brasil e abusos como os da Roundup-ready.

Para concorrer com a produção das multinacionais no mercado mundial, muitos agricultores têm utilizado sementes transgênicas e químicos produzidos pela mesma empresa. Os resultados desse uso irrestrito, motivado pela concorrência no mercado, são o desequilíbrio ambiental, causado pelo excesso de tóxicos, os riscos à saúde das pessoas e conseqüências ainda desconhecidas para o meio ambiente e o organismo humano.

Brasil

No Brasil, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia, autorizou a Monsanto a cultivar soja transgênica no sul do país. Segundo o Decreto 3.871, aprovado em julho do ano passado, alimentos com mais de 4% de transgênicos em circulação no país devem ser rotulados. Para o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) e o Greenpeace, essa lei desrespeita em vários pontos o Código de Defesa do Consumidor.

Na União Européia, o limite para alimentos modificados sem rotulagem é de 0,5% de transgênicos. O bloco econômico tolera cada vez menos a importação de transgênicos. Dados do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos mostram que desde a implantação do milho transgênico Star Link, o valor das exportações do país para a União Européia diminuiu de US$ 305 milhões para US$ 2 milhões. Já a exportação de soja, segundo Serviço de Estatística da União Européia, caiu de 9,2 milhões de toneladas para 6,8 milhões desde o começo do plantio da soja modificada nos EUA.

Isto aponta para mais um interessante indício de que os norte-americanos estão realmente preocupados em fortalecer suas indústrias e não em permitir um livre comércio entre os países.

Negociações

A agricultura é o tema de um dos nove grupos de trabalho que discutem a ALCA em reuniões periódicas. Seu principal objetivo é igualar as taxas alfandegárias entre os 34 países que farão parte do acordo e, assim, liberar a circulação de produtos entre eles.

As diretrizes seguidas nas negociações são as mesmas adotadas no Acordo Agrícola na Organização Mundial do Comércio, a OMC. Porém, isso não significa que um ou mais itens do acordo não possam ser modificados ou adaptados - principalmente quando o assunto é livre comércio e subsídios.

Os EUA, um dos principais negociadores da ALCA, ao mesmo tempo em que incentivam o livre comércio no acordo, tomam medidas protecionistas como a Farm Bill, lei que elevou os subsídios à agricultura e prejudica diretamente pequenos e médios produtores rurais. Antes mesmo da Farm Bill o Brasil já havia deixado de exportar cerca de US$ 1,2 bilhão em soja devido às medidas protecionistas norte-americanas. Essas mesmas medidas, oferecidas em forma de subsídio, fazem com que os produtos agrícolas norte-americanos entrem em outros países com grande potencial produtivo nessa área, como o México. Devido à falta de barreiras, o produto é comercializado com um preço muito aquém dos apresentados pelos mexicanos. Dessa forma, o livre comércio entre países com uma economia forte (que podem conceder subsídios aos agricultores) e países com uma economia fraca (que não conseguem arcar com essa responsabilidade mesmo tendo grande potencial) também causa milhares de perdas de empregos de pequenos produtores e um grande êxodo rural causado pela perda desses empregos.

Agricultor em protesto em Gênova durante o encontro do G8


Se você não está revoltado, não entendeu nada

ALCA pode aniquilar serviços sociais

Direitos básicos como acesso à educação e à saúde estão ameaçados

O capítulo sobre serviços em negociação na ALCA, é ainda pior do que o GATS (sigla em inglês para Acordo Geral sobre Comércio de Serviços), em vigor na OMC (Organização Mundial do Comércio) desde 1995, no qual é baseado e pode levar ao fim de todos os serviços públicos como saúde, educação, abastecimento de água, tratamento de esgoto e previdência.

No GATS já são adotadas diversas medidas visando a liberalização do comércio de serviços, entre elas as que estabelecem que os países devem abrir seu setor de serviços à concorrência internacional sem fazer distinção entre empresas nacionais ou estrangeiras, incluindo os setores nos quais os governos forneçam serviços básicos para a população. Porém os governos ainda podem indicar quais setores querem preservar ou quais querem abrir por meio de listas e apenas os serviços fornecidos exclusivamente pelos governos podem ser excluídos dessas medidas.

ALCA deve levar GATS ao extremo

No seio da OMC, os países que resistirem às normas do GATS podem sofrer sanções comerciais bastante severas por parte dos países que se sentirem lesados, mas isso não é nada perto do que poderá acontecer se a ALCA for aprovada, justamente porque seu conteúdo equivaleria a um GATS superdesenvolvido, ou seja, um GATS ainda mais duro e muito mais abrangente.

Versões preliminares do acordo dão conta de que não haveria mais setores "protegidos" e todos os setores de serviços estariam sujeitos às novas regras, incluindo a cláusula de nenhum investidor ou empresa poder receber um benefício (seja preferência ou subsídio) sem que o mesmo seja estendido a todos os demais investidores ou empresas. Assim, o Estado ficaria impedido de fornecer um serviço de forma gratuita como a educação, por exemplo, sem ser acusado de estar praticando "concorrência desleal", para com aquelas empresas que cobram pelo mesmo tipo de serviço. Até mesmo organizações não-governamentais (ONGs) que prestarem serviços com recursos públicos poderiam estar na mira de grandes investidores.

As empresas que julgarem que essa atuação do estado represente perda de ganhos presentes ou futuros poderão, uma vez aprovada a ALCA, entrar com um processo, de acordo com o capítulo sobre investimentos, exigindo uma indenização equivalente a tais perdas ou ainda que o estado deixe de prestar o serviço em questão. Dessa forma, a já bastante precária rede de serviços públicos sociais de muitos países da América Latina, inclusive do Brasil, deve ser alvo de uma investida por parte de grandes empresas transnacionais, que podem obrigar o estado a interromper o serviço prestado. Numa conjuntura onde os governos cada vez mais tentam cortar gastos públicos e se isentar dos serviços sociais, a ALCA representa uma grande força no sentido da aniquilação desses serviços.

AÇÃO DIRETA

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Este número do Ação Direta é fruto de uma parceria entre o Centro de Mídia Independente e o grupo Ação Local por Justiça Global. Para mais informações, acesse: www.alcaralho.org

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