archives of global protests - archives des protestations mondiales - archivio de los protestos globales

G8: O Império Contra-ataca

notícia colocada por: azine em 2001-07-31

Os violentos incidentes nas ruas de Génova, aquando o recente encontro do G8, já fizeram correr muita tinta. Apesar de algumas análises aprofundadas, a cobertura da comunicação social tem-se mostrado demasiado fraca. Como um grupo internacional de jovens activistas, pacifistas e apartidários, que testemunharam de perto as manifestações em Génova, queremos expressar os nossos sinceros sentimentos de preocupação com a presente cobertura dos "media" sobre os eventos ocorridos durante o encontro do G8.

A maioria dos "media" continua a mostrar um suposto "movimento antiglobalização" como sendo "irracional", "ignorante" e "violento". Entretanto, esta imagem de índios e "cowboys" falha completamente em relatar uma realidade muito mais complexa. De facto, a maioria das pessoas dentro deste movimento não são contra a globalização em si, muito embora sejam firmes oponentes da vertente neoliberal deste processo. Nós somos da opinião que este modelo de globalização conduz a uma dualidade socioeconómica, aumentando a desigualdade entre o Norte e o Sul, bem como no Norte e Sul em si. Como sugere Ignacio Ramonet, do "Le Monde Diplomatique", o mundo está a transformar-se no "arquipélago-modelo". Com isto Ramonet refere-se ao facto de a divisão tradicional em três mundos já não ser válida.

O terceiro mundo pode-se encontrar, hoje em dia, no primeiro mundo, do mesmo modo que o primeiro mundo está presente no terceiro. O segundo mundo, por outro lado, é praticamente inexistente. Simultaneamente, a globalização leva à uniformização da cultura, impondo uma forma de vida social e ecologicamente insustentável. A democracia é a vítima deste processo, ao aumentar o abismo entre os centros imperiais de decisão (multinacionais, fundos de pensões privados, bancos, instituições supranacionais como a OMC, o FMI, o G8, etc.) e as pessoas afectadas por estas decisões. Neste processo "de cima para baixo", os manifestantes opõem-se desde a base, desafiando o Império neoliberal. Ao invés da globalização do livre comércio, propomos a globalização de um comércio justo e ecológico. Ao invés do padronizado "american way of life", sugerimos "um mundo que contenha muitos mundos", com "um não, mas muitos sins", como diria o subcomandante Marcos. Esta recusa a um esquema internacional é representada pela diversidade do então chamado "movimento de Seattle". As ideias que estão a ser discutidas pela maioria destes activistas são de longe mais perigosas ao "statu quo" do que a violência que a comunicação social atribui a uma pequena parte deste movimento, que actualmente acompanha o circuito internacional das conferências.

Poderia esta ser uma das razões pela qual a comunicação social foca sistematicamente a "violência", sobrevalorizando-a e negligenciando as ideias interessantes que vão nascendo deste novo movimento? Uma passagem pela cobertura dos "media" internacionais "de qualidade" à conferência revela uma impressionante unidimensionalidade. No dia 20 de Julho, dia em que Carlo Giuliani foi morto, 70 mil activistas participavam num total de nove diferentes e separadas manifestações. Destas, sete incorporaram a grande maioria dos manifestantes, num clima pacífico, criativo e de humor. Os exemplos não são difíceis de encontrar: bandas de samba que convidavam as pessoas a dançar pacificamente pelas ruas, teatros de rua, José Bové com uma vaca em frente às linhas policiais, um italiano, de certa idade, atirando papelinhos repletos de poesia aos ameaçadores 15 mil carabineiros, etc. Estes acontecimentos não chamaram a devida atenção da comunicação social. Pelo contrário, toda atenção se voltou para as marchas dos chamados Black Blocks. O mesmo se aplica à manifestação completamente pacífica do dia 21 de Julho, quando as ruas de Génova foram inundadas por mais de 200 mil pessoas (enquanto muitas outras eram impedidas de entrar em território italiano na fronteira pelas tropas de Berlusconi). Este evento foi reduzido aos rodapés enquanto os "media" se preocupavam em registar unicamente a acção dos Black Blocks. Por exemplo: o jornal "La Reppublica" (22/7) dedicou 16 páginas à conferência do G8, publicou 34 fotos de conflitos sangrentos, e falhou ao exibir uma única imagem da demonstração pacífica. Conclusões similares podem ser tiradas ao analisar outros jornais "de qualidade".

Além do mais, acreditamos que a polícia italiana teve um papel ambíguo não somente na "violência" causada pelos Black Blocks. Todas as pessoas presentes em Génova puderam perceber claramente que a polícia ignorou muitos destes grupos, enquanto estes destruíram aleatoriamente a cidade. Existe uma forte evidência (fotográfica e em vídeo) de homens em roupas negras de combate que saíam de carrinhas da polícia perto de marchas de protesto. Então a pergunta: quem são exactamente os Black Blocks? Para nós, está muito claro que, com excepção de grupos anarquistas interessados em coordenar acções por meio das suas tácticas de acção directa contra cadeias de multinacionais, os Black Blocks estão infiltrados por "hooligans", neonazis e polícias. Os Black Blocks acabaram por ser um bode expiatório, uma desculpa que os polícias encontraram para, literalmente, atacar outros manifestantes. Não é surpreendente que no sábado à noite - com o ridículo pretexto de procurar pelos Black Blocks, quando todos sabiam que estes estavam acampados num parque de estacionamento distante - polícias invadiram escolas onde manifestantes pacifistas do Centro de Media Independente e do Fórum Social de Génova estavam a dormir. Duzentos carabineiros mascarados reviraram a escola, destruíram computadores, recolheram provas do seu comportamento brutal dos dias anteriores e indiscriminadamente agrediram pessoas que não tiveram nem sequer tempo de sair de seus sacos-cama. Desta violência policial, que faz lembrar antes a ditadura chilena do que a dita "democracia" italiana, resultou em 51 pessoas feridas (nenhum policial), 31 das quais foram hospitalizadas.

Este tipo de táctica policial e cobertura mediática procura criminalizar todo este movimento rico em cores e formas de acção. Mas esta onda de manifestação é demasiado forte para ser destruída por tal deturpação. No crepúsculo do novo milénio estamos a testemunhar o surgir de um movimento completamente inovador, de uma revolta maciça contra a comodidade de todos os aspectos da vida, contra o controlo de corporações e o sequestro da democracia. Organizar conferências no deserto de Qatar ou nas montanhas do Canadá não será o suficiente para abortar este movimento embriónico contra-imperial.

Miguel Flores (engenheiro agrónomo, 25 anos, Portugal), Thales Tréz (biólogo/bioeticista, 23 anos, Brasil), Rooselin de Kooker (assistente social, 21 anos, Holanda), Sandra Flores (cenógrafa, 22 anos, Portugal), Belén Macías (jornalista, 23 anos, Espanha), Peter Tom Jones (pesquisador de pós-doutoramento, 27 anos, Bélgica)


Gênova relatorios em portugûes
Genoa Reports
pictures | Genoa Info | www.agp.org