Não há dúvidas de que os fatos de Gênova representam uma grave lesão na história da democracia italiana. Ninguém, qualquer que seja sua cor política, deveria subestimar sua importância e significado. Se essa lesão terá cura ou se agravará é uma questão que permanece aberta. A resposta depende das escolhas e das ações de cada um dos principais atores históricos desse delicado momento, que vamos examinar.
Primeiramente, o movimento social que nasceu nesses dias. As dezenas e dezenas de milhares de jovens que foram a Gênova pertencem a uma geração pacifista, até passiva.
Seus modelos e heróis (excetuado talvez Che Guevara) não são, na grande maioria, os mesmos dos anos pós '68, isto é as lutas de liberação nacional, a revolução cultural maoista. Eles não acreditam ( ou pelo menos não acreditavam) que o poder provenha dos canos dos fuzis, que a violência de massa seja necessária e inevitável. Ao contrário. Após os anos de chumbo, na Itália como na Alemanha, assistimos a uma profunda reviravolta cultural em direção ao pacifismo. Os garotos de Gênova, entre os quais estão nossos filhos, estudantes e formados, foram lá para protestar sobre as questões ambientais, contra a pobreza, as desigualdades e as doenças no mundo. Foram recebidos de maneira indiscriminada com cacetadas e gás lacrimogêneo.
Não se pode negar que no Sábado no meio da multidão havia elementos violentos e que a tarefa da polícia não era nada fácil. Mas é igualmente verdade que a grande maioria dos manifestantes queria evitar a qualquer custo a violência.
Eles voltaram irritados e amargurados.
Representavam uma pequena minoria numa geração em grande parte indiferente. Após três dias, cheios de conversas em todos os lugares - condução, dentista, bar, internet - que produziram aquele famoso "diz-que-diz" que modifica profundamente e em cada molécula uma opinião pública nacional, não são mais uma minoria tão pequena. No outono, quando recomeçarem as aulas nas escolas e universidades, serão ainda menos minoria. Aqueles que esperavam que os jovens ficassem despolitizados, dominados pelo consumismo, fechados em si mesmos, não poderiam ter tido um comportamento mais estúpido. Nem poderiam fornecer motivos melhores para alimentar uma profunda e renovada falta de confiança no Estado Italiano e nas suas instituições.
No outono, aqueles empenhados em manter em primeiro plano os ideais pacifistas e democráticos precisarão de muita clareza e determinação. As forças nacionais da polícia podem ser medidas em parâmetros muito amplos: numa extremidade há o mítico bobby britânico, desarmado, a serviço da comunidade; na outra, os bandos terroristas das ditaduras latino-americanas. Após a performance do último fim de semana, aonde deveremos colocar a polícia e os "carabinieri" italianos? Os relatos do horror não vêm somente dos garotos de Gênova. Vêm de outras fontes, insuspeitáveis, como os cronistas de jornais conservadores como os Sunday Times ou El Mundo. Eu acreditava (e não era sozinho) que o lento progredir da democracia italiana, que já conta sessenta anos, tivesse alcançado e influenciado profundamente até aquelas áreas do Estado Italiano que historicamente têm se revelado mais resistentes à cultura democrática.
Da prisão de Bolzaneto não podia chegar desmentida mais rude a tais idéias. A que aqui emerge é, sim, uma cultura puramente fascista: fascista em seus slogans, na sua brutalidade, no seu deliberado desprezo para os mais elementares direitos das pessoas detentas. Não traz nenhuma segurança o fato que, ao que se sabe, nenhum dos sindicatos dos agentes de polícia ou dos altos escalões tenha tomado distância desses tristes acontecimentos. Verificou-se uma união corporativa em defesa de todas as ações da polícia, de qualquer tipo. É um erro grave. O veneno que filtrou debaixo das portas daquela prisão exige um antídoto de efeito rápido.
E o Governo? Sua moderação durou uma tarde. Mesmo assim, há moderados no governo. Qual atitude prevalecerá?
Toda a história da Europa Meridional, desde o fim do XIX século, nos ensina quais perigos se escondem atrás de uma nação que se parte em duas, com uma parte consistente da população convencida de ter um governo que tolera e pouco respeita suas razões e seus direitos. Nesses dias, o medo de que a Itália esteja se aproximando de um regime autoritário de novo tipo cresceu em um piscar de olho em amplos setores da opinião publica européia e italiana. O iminente domínio dos principais meios de comunicação, o não resolvido conflito de interesses, a brutalidade da polícia, o desejo de destruir a autonomia da magistratura ( também no âmbito da luta contra a Máfia) - todos esses elementos se unem para compor um coquetel muito perigoso. Antes que seja tarde demais, as vozes liberais e cautas dentro do governo e do parlamento devem se fazer ouvir contra os extremistas, que são muitos.
A oposição. Não é um momento em que se possa ser tímidos e incertos. A indecisão e o absenteísmo dos Ds custaram caros, mas ainda é possível recuperar o terreno perdido. A mais convicta denúncia da violência, de qualquer parte ela venha, deve ser acompanhada de uma constante vigilância contra qualquer ação arbitrária por parte da maioria.
Os "wild men" pensarão duas vezes antes de agir , sabendo que cada ação deles terá a oposição das mais firmes denúncias e da mobilização. Essas atitudes poderiam ser um primeiro passo, necessário porém totalmente insuficiente, em direção ao resgate.
Artigo de: Paul Ginsborg
Quarta-feira 08 Ago 2001
Gênova relatórios em portugûes
Genoa Reports
pictures | Genoa Info | www.agp.org