Penso que estou calma, que não estou em estado de choque, mas os meus dedos tremem quando escrevo. Estávamos na escola que funciona como centro de imprensa, apoio médico e treinamentos. Tínhamos acabado de participar a nossa manifestação e estávamos falando, ou telefonando, quando ouvimos gritos e sirenes, o clamor de pessoas, ruídos de objetos sendo quebrados.
Os policiais vieram e invadiram o centro. Não podíamos sair do edifício porque havia demasiadas pessoas à porta. Lisa segurou a minha mão e subimos, pelas escadas acima, até ao quinto piso, o último. O Jeffrey acompanhou-nos, várias pessoas estavam correndo e procurando lugares onde se esconderem. Não estávamos em pânico, mas meu coração estava aos saltos e respirava com dificuldade. Encontramos um quarto vazio, um par de mesas, agarramos uns sacos de dormir para proteger as nossas cabeças se fôssemos espancados. E esperamos. Os helicópteros voavam em volta do prédio, podíamos ouvir vozes gritando no piso inferior, depois nada. Alguém entrou, deu uns passos, e saiu de novo. Tinha dificuldade em respirar e tinha uma tosse quase incontrolável — mas consegui controlá-la. Fiquei deitada pensando nas pessoas que nos enviavam mensagens de amor e de amizade e finalmente consegui respirar melhor. A luz acendeu-se. Através de uma fenda entre as mesas, consegui ver um capacete, uma face. Um policial italiano, muito alto, com um enorme cacetete olhava para nós. Disse-nos para sairmos. Ele não parecia estar com intenção de nos bater, mas ficamos, tentando falar com ele em inglês e espanhol e usando as poucas palavras italianas que conhecíamos: "paura" (medo) e "pacifisti". Ele nos arrastou até o terceiro piso onde muitas pessoas estavam sentadas, alinhadas contra a parede. Esperamos. Alguém entrou, perguntando se havia alguém do Centro de Mídia Independente da Irlanda. Continuamos esperando. Chegaram advogados. A polícia saiu. Por uma obscura disposição da lei italiana, a nossa presença aqui era considerada legal, por sermos mídia. No entanto, na escola em frente, na mesma rua, onde também funcionva o Centro de Mídia, entraram e já foram batendo nas pessoas. Observamos a cena demoradamente, através das janelas. Começaram a levar as pessoas em macas. Uma, duas, uma dúzia ou mais. A multidão reuniu-se e começou a gritar: "Assassinos! Assassinos!" Eles arrastaram para fora os feridos que se mantinham em pé, prenderam-nos e os levaram embora. Pareceu-nos que alguém foi transportado num saco preto para cadáveres. A multidão, em baixo, estava desafiando a polícia e estes desafiando a multidão. De repente surgiu um grande número de repórteres, luzes, câmaras. A Mónica, que nos abrigou e que é do Fórum Social de Génova, apareceu e ficou com a gente. Estava telefonando para embaixadas e para mídia e talvez tenha conseguido evitar que fôssemos agredidos pela polícia, depois destes terem 'despachado' o primeiro edifício. Durante todo este tempo havia helicópteros sobrevoando e jogando luzes intensas sobre o prédio. Alguns homens corajosos estavam contendo a multidão furiosa, que parecia prestes a enfrentar a linha de choque da polícia que se formara em frente da escola, com os seus escudos e máscaras de gás. "Tranquilo, tranquilo" diziam os homens formando cordão, evitando que as pessoas furiosas fizessem um ataque suicida. Telefonei para casa, depois de novo fui para a janela, de novo ao telefone. Por fim, os policiais foram embora. Descemos então ao primeiro piso, no exterior e ouvimos o que se passara. Eles invadiram os quartos em que dormiam as pessoas. Todos ergueram as mãos gritando "Pacifisti! Pacifisti!", e foram selvagemente agredidos, todos. Foi assim mesmo. Fomos ao outro edifício. Havia sangue por todo o lado, poças mesmo, computadores e equipamentos feitos em cacos. Visitamos os locais, estávamos em estado de choque e pensávamos no que estava acontecendo aos que foram levados presos, aos que foram para o hospital. Sabemos que prenderam todas as pesoas que foram ao hospital, levaram as pessoas para a cadeia e torturaram-nas. Um dos franceses da nossa equipe, o Vincent, foi brutalmente agredido na cabeça, na sexta-feira passada, na rua. Levado para a cadeia, puseram-no num quarto, amarraram os seus braços às costas de uma cadeira e bateram sua cabeça contra a mesa. Outro homem foi levado para um quarto revestido de posters pornográficos e de Mussolini e, alternadamente, agredido e tratado com afeto, numa estranha tortura psicológica. Outros foram forçados a gritar "Viva il Duce!" Isto para que não houvesse dúvidas que aqui era mesmo o fascismo. É a variante italiana, mas está vindo também para cá (Estados Unidos). Eles irão até esse ponto para defender o seu poder. Isto é a mentira que chamam 'globalização = democracia'. Eu posso dizer, agora, hoje à noite, que isto não tem nada de democracia. Tenho de parar agora. Estaremos em segurança se consguirmos atingir o local onde temos dormido. Telefonem à embaixada de Itália. Vão lá e mostrem que sabem o que aconteceu! Talvez não consigamos fazer nova manifestação amanhã, aqui, se a situação continuar tão perigosa. Por favor, façam qualquer coisa!
Fonte: IMC Brasil
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