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Megacoligação II
por Marcos Domich [*]
http://resistir.info

MegacoligacaoAssim como houve um filme "Tubarão I" e a seguir um "Tubarão II", um "Terminator (exterminador) I" e a seguir um "Terminator II" e até um III, na Bolívia, onde se imita a realidade e a ficção dos amos do norte, já se deu sequência às megacoligações da direita pró-imperialista e neoliberal. Há um traço comum entre os filmes de ficção de Hollywood e as megacoligações políticas bolivianas. Ambas exaltam seres ou criações que encarnam a violência, o esbulho, a brutalidade, em suma, a irracionalidade mais negra.

Com Banzer deu-se uma megacoligação que incluiu - há que recordá-lo - a ADN, MIR, UCS e a extinta CONDEPA, além de alguns apêndices como KDN, FSB, DC. Com Sánchez de Lozada (SdL) organizou-se uma nova megacoligação que inclui o MNR, o MIR e agora a NFR, também tem apêndices como UCS e outros que fazem parte das coligações eleitorais menores como os recém-chegados da NFR (Kuajara, Pinto e outros) ou do MIR (os Torres Obleas) e também do MNR (o EJE Pachacuti de Barrenechea e alguns ex-socialistas (Gutiérrez, Harb, San Martin), enfim, uma impressionante colecção de trânsfugas, oportunistas, arrivistas e carreiristas. Lamentavelmente ainda não podemos apresentar a colecção completa, pois ainda há mais alguns desta fauna política que, sob outros pretextos mas com as mesmas motivações, aguardam impacientes na sala de espera da megacoligação.

O surgimento da megacoligação, em 5 de Agosto último, foi um golpe terrível à desinformação e à falta de cultura política, mas também à candidez de muita gente que, acreditando que fazia bem, votou por candidatos como Manfred Reyes Villa (MRV) e inclusive pelo MIR de Jaime Paz (JPZ). Cidadãos que hoje têm náuseas ou cospem de nojo pelos pactos e acordos que se deram e mais uma vez se convencem de que "a política é uma porcaria". Votaram com a ilusão de que o NFR ou o MIR iam mudar as coisas, iam pelo menos rectificar algo do neoliberalismo selvagem que os esmaga na sua vida e na sua economia.

Muita gente acredita que essa porcaria é a própria política, confundem-na com a politiquice e o partidarismo corrupto, ideológica e politicamente camaleonico, próprio e inerente à direita. Houve outros ingénuos em relação ao que representam o MIR e particularmente o NFR, ainda não conhecida como oportunista e mutante. Ingénuos bem intencionados e preocupados com o destino da pátria acreditaram que aqueles partidos podiam até fazer rectificações de fundo até, por exemplo, à Lei de Hidrocarbonetos. Proporcionaram-lhes elementos teóricos, projectos de leis substitutivos das leis neoliberais, etc e que agora estão a acumular pó nas prateleiras do Congresso e que, enquanto durar a megacoligação, não serão tocados.

ESSÊNCIA DE CLASSE E DISCURSO FALACIOSO

Nas revista "Causa" não nos deixamos iludir por espelhismos, pelo movimento das águas superficiais que ocultam as correntes de fundo dos partidos que agora integram a megacoligação neoliberal II. Dissemo-lo. Os partidos políticos, na sociedade capitalista, nasceram e conservam-se como expressão dos interesses das classes e das fracções de classe. A partir desta definição esquemática, mas verificável, caber perguntar: Que interesses exprimem e defendem os partidos da "megacoligação II"? Defendem e representam os interesses da burguesia, nas suas diferentes fracções, sobretudo a oligárquica. Já veremos mais adiante que propósitos tem a actual megacoligação, mas o facto de que se tenham juntado num acordo organizações que se odiavam até à morte até o dia 5 de Agosto explica-se a partir dessa essência de classe, que é como a alma dos partidos. Eles não podem escapar a essa determinação sem trair a sua essência, a sua razão de ser.

Alguém poderá perguntar: Mas tanto o NFR como o MIR (com menos firmeza) propalavam sua oposição ao neoliberalismo, chamavam SdL de "gringo vende-pátria", defendiam o resgate das capitalizadas, etc. Por sua vez, o MNR acusava o NFR por sua origem banzerista, pelo duvidoso passado democrático do MRV, pelas suas ligações com García Meza, etc. Como já dissemos, as pessoas ingénuas e desinformadas têm dificuldade em perceber que o discursos, o programas e as ofertas dos políticos da direita e da oligarquia são falsos, são demagógicos e não passam do isco com que procuram ganhar apoio e dobrar os seus inimigos ocasionais. Chegado o momento, inventam uma fórmula para saldar suas diferenças e usufruírem em conjunto do poder, aplicando o programa que corresponde à sua essência de classe. Assim se juntam os partidos. E quanto aos seus "operadores"?

DISFARCE IDEOLÓGICO E DESERÇÃO

Com assombrosa facilidade acomodam suas ambições pessoais aos objectivos de classe, procurando disfarces ideológicos para os seus volteios e deserções. Não lhes falta uma certa habilidade nisso, poderão ser pessoas sem princípios e sem moral, mas não são tontos sem juízo; sabem o que procuram e sabem enfeitar suas mesquinharias e paixões. Só que já convencem dificilmente. Na "mega II" vemos por exemplo dois personagens de antologia nesta ordem: Adalberto Kuajara e Dante Pino. O primeiro tem uma "evolução" política que o conduziu pelo menos por seis agrupamentos: PDC, DC revolucionária, MIR (mir-marxista em Santiago do Chile), PCB, ASD, para infiltrar-se finalmente no NFR. A síndroma timãocrática (ou seja, a implacável ambição de poder e a obsessão da notoriedade) devoraram sua individualidade.

Pino, com menor formação política, mas ambicioso e migratório como o anterior, é outra amostra destas personagens capazes de recitar os versos adequados a cada ocasião. O grave é que o seu discurso, furibundo marcelista e anti-neoliberal, tornou-se tão entreguista que é capaz de justificar a oferta das riquezas nacionais bolivianas desde que cubram o défice fiscal. Outra amostra inocultável da salada de partidos e personagens é a negociata de macororó. O ministro da Defesa, movimentista, entregou os soldados à exploração de uma latifundiária ligada ao MIR, a ex-esposa do actual chanceler.

OS PADRINHOS DO ACORDO

A cada diz que passa conhecem-se mais pormenores acerca do apadrinhamento desta brilhante coligação. Não verdade, não era preciso ser bruxo. O embaixador Rocha já havia conseguido retirar Kuljis da NFR e conseguir o seu apoio para o MNR. Aquilo que fez Greenle foi só colocar a cereja no bolo: estava tudo cozinhado, era questão de tempo. A embaixada dos EUA é a madrinha inocultável. O padrinho são os monopólios do gás. Nestes dias vive-se uma ofensiva norte-americana para apertar todos os parafusos que lhes permitam ter o controle total do pátio traseiro. Na geopolítica ianque, a Bolívia tem um lugar marcado: ser fonte de hidrocarbonetos, colmatar a fome de gás que tem a Califórnia, a quinta economia mundial, segundo cálculos de peritos. Conclusão: possuir 57 triliões de pés cúbicos (1614 mil milhões de metros cúbicos) de gás não só é fonte de esperança como também de temores bem fundamentados, sabendo-se das ambições e da falta de escrúpulos de Bush e do seu petro-poder. O negócio da Camisea no Peru já está fechado e uma das companhias, da qual é sócio David Cheney, o vice-presidente dos EUA, já contribuiu para a reeleição de Bush. É assim simples e truculento.

O QUE QUEREM SdL E A SUA "MEGA"

Os objectivos da "neomega" podem ser resumidos em conseguir três finalidades: a) tosquiar o povo, sobretudo as camadas médias e aposentados, a fim de, ainda que a custa de sangue e suor, aumentem as receitas fiscais, cujo défice chegou a 10%; b) "monetizar" as reservas de gás a fim de receber dinheiro contante e sonante e entregar o gás até que este se acabe. Impôs-se a saída do gás pelo Chile para ser vendido aos EUA a um preço ridículo: entre 0,50 e 0,70 por BTU (unidade térmica), do qual para o país sobra apenas uns 18%; e c) Erradicar a coca do Chapare através de um plano militar fulminante, sem se importar com o custo humano. Tudo, neste aspecto, também já está cozinhado. Não lhes importa criar um monstro fascistóide, o que vai na linha da Casa Branca e do Pentágono para toda a América Latina.

GONY, UM ÍDOLO COM PÉS DE BARRO

Com o exposto fica absolutamente claro que a "neomegacoligação" conseguiu criar a base parlamentar para garantir a maioria que necessita para impor - e a muito curto prazo - todas as disposições legais que permitam continuar a aplicar o modelo neoliberal. Já têm assegurado o executivo e SdL não é senão o ditador "constitucional" que o regime necessita. Os instrumentos de controle social (repressivos) estão a ser afinados com o apoio ianque necessário e até com leis que penalizam o protestos popular. A armação repressiva apoia-se numas forças armadas cada vez mais inquietas nas suas bases e questionadoras de um alto comando silenciado com prémios de lealdade. Para terminar, não há dúvida de que a megacoligação é um ídolo com pés de barro. É inocultável o esfriamento entre o presidente e o vice-presidente. As fricções entre a NFR e o MIR são cada vez mais ruidosas e o alvoroço no interior de cada partido é ensurdecedor. Nestas condições é difícil que possa enfrentar o crescente protesto social. Mas também falta a esta coligação precisar objectivos e unificar suas forças e suas fileiras, sobretudo no movimento sindical e nas suas organizações naturais. É o desafio do momento.

[*] Primeiro-secretário do Partido Comunista da Bolívia. domich2001@hotmail.com .

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Comunicado conjunto, 14/Out/03
Goni deve renunciar
Carlos Mesa deve assumir a Presidência Constitucional

Gonzalo Sánchez de Lozada perdeu a escassa legitimidade com que chegou ao Palácio Quemado. A democracia não é ele e nunca o foi. O único apoio que tem é o da Embaixada ianque e de certos comandos das Forças Armadas e da Polícia.

O povo quer uma democracia em que participe e decida. É falso, portanto, que a maioria dos bolivianos seja sediciosa, como afirma Gonzalo Sánchez de Lozada ao qual o povo lhe diz em todos os tons que renuncie.

Diz-lhe que se vá porque o povo não esquecerá os mortos e feridos. Tão pouco haverá perdão para ele porque o sangue foi derramado porque o actual governo defende os interesses das empresas transnacionais e não os do povo e do país.

A democracia está ameaçada pela acção do governo do MNR, MIR, NFR. Portanto, a ameaça à democracia não é do povo insurrecto. O povo conquistou-a com múltiplas acções e com uma crescente quota de sangue e com sacrifícios que continuam a crescer.

Se ao ainda Presidente da República lhe resta alguma generosidade, deve renunciar agora. Só assim pode deter-se o massacre.

Em defesa da democracia e dos interesses nacionais e populares, e para evitar uma maior efusão de sangue, perante a renúncia de Sánchez de Lozada deve assumir a Presidência Constitucional do país o vice-presidente Carlos de Mesa o qual deve, o quanto antes, constituir um governo provisório que se comprometa a recuperar os hidrocarbonetos para os bolivianos, a tomar medidas destinadas à recuperação do aparelho produtivo e à convocatória de uma Assembleia Constituinte.

Movimiento al Socialismo
Movimiento Sin Miedo
Partido Comunista de Bolivia
Patria Socialista Multinacional
Partido Revolucionario del Pueblo
Partido Socialista - 1 (Walter Vásquez Michel)

15/Out/03


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