No momento em que encerramos essa série de textos, inicia-se em Porto Alegre, o V Fórum Social Mundial. Muitos dos "novos movimentos" que ali se manifestam, derivam em grande parte da crise terminal da classe trabalhadora.
Exatamente no dia 26 desse mês de janeiro de 2005, acompanhamos pela mídia a abertura do V Fórum Social Mundial em Porto Alegre. O evento de abertura foi extremamente atraente e estimulante. O problema é que a enorme multiplicidade de temas discutidos poderá levar a iniciativa à irrelevância.
Algumas críticas ao FSM já vêm acontecendo desde algum tempo. Entre elas a de que o evento em si não passaria de uma forma de transformar o "povo de Seattle", de uma turba agressiva e até violenta, em marchas de protestos e "bloqueios" de eventos de "gente grande", em dóceis participantes de um colorido carnaval, bem ao gosto brasileiro.
Alguns apontam para a apropriação de partidos políticos como o PT, que não tem mais nada de "movimento social", do centro do palco. Outros já enxergam em tudo isso apenas uma espécie de "turismo político", útil para estabelecer redes de contatos e intercâmbio de idéias, mas sem maiores conseqüências. Sou dessa última opinião.
Para quem não se lembra ou não sabe, as manifestações de Seattle foram "convocadas" pelo International Forum on Globalisation, o IFG, do qual foi fundador, entre outros, Jeremy Rifkin, o autor de "O Fim dos Empregos". Essa obra, de 1995, foi a primeira a alertar, sem rodeios, para a decadência da classe trabalhadora.
O livro causou certo impacto na época, mas logo uma avalanche de trabalhos acadêmicos, artigos, comentários, livros e peças de mídia, trataram de "demonstrar" que o autor estava errado. As novas tecnologias iriam, na verdade, gerar mais e melhores empregos. O mercado iria cuidar disso.
Dez anos depois, a realidade já se torna bem mais visível. A brutal concentração de renda, a exclusão de milhões de pessoas do mercado de trabalho, o deslocamento em massa de empregados sindicalizados e de classe média, para a condição de autônomos, temporários, "just-in-time", terceirizados e informais, mostraram que Rifkin e outros como ele tinham razão.
A busca por soluções acabou esbarrando num vazio teórico. Ao longo de muitas décadas, lideranças sindicais, políticas, religiosas e acadêmicas, se acostumaram a lidar com a exploração da classe trabalhadora, mas não com sua exclusão, provocada pelos novos paradigmas tecnológicos.
Os teóricos da economia de mercado, se acomodaram a idéia de que vivíamos apenas uma terceira revolução industrial, que como as outras, causaria desemprego num primeiro momento, mas logo a seguir, a própria prosperidade criaria infinitas oportunidades de negócios e empregos. Não contavam com as tecnologias flexíveis, que afetam toda a indústria, comércio e serviços simultaneamente.
Os partidos políticos ligados de alguma forma aos interesses dos trabalhadores, foram pegos de surpresa pelo rápido enfraquecimento dos Estados nacionais. Os sindicatos de base regional ou no máximo nacional, foram surpreendidos pela velocidade da descentralização da produção.
É nesse quadro que surgiu o "povo de Seattle", uma mistura heterogênea de desempregados, anarquistas, minorias étnicas, ecologistas, feministas, gays, defensores de animais, de ruas e parques, grupos violentos como os "Black Blocks", pacifistas intransigentes, e tudo quanto se possa imaginar de ideologias e excentricidades.
Apesar do folclore e do carnaval, a "gente grande" da OMC foi pega de surpresa. Mas logo de recuperou e tratou de enquadrar o movimento. Para seu alívio, a questão central, ou seja a inexorável decadência da classe trabalhadora, se diluiu num oceano de discussões bizantinas.
Para melhorar ainda mais as coisas, não se levantou a mais perigosa de todas as reivindicações: "Queremos nossa parte do mercado". Ao contrário, uma das poucas coisas a unir a Babel dos descontentes era a execração do mercado e dos negócios em geral. Que alívio para os CEO's entrincheirados em seus hotéis de luxo!
A partir daí foi fácil "provar" que os manifestantes eram apenas "desordeiros" que na realidade lutavam contra o progresso e o desenvolvimento. Com o inestimável auxílio da mídia, que alias até hoje não entende nada do que de fato está em jogo, o que poderia virar um confronto sério sobre os rumos da economia mundial, transformo-se em festas e shows de rock.
Para o lado "sério" do "povo de Seattle" tratou-se de organizar eventos como o Fórum Social Mundial, com todos os participantes devidamente inscritos, pagando uma taxa, com direito a kit do evento, ostentando crachás e se dividindo em simpósios bem comportados. Tudo como nas mais respeitáveis feiras de negócios. Os mais exaltados, estão sendo aos poucos neutralizados.
É claro que a solução não é quebrar lojas do McDonalds, mas também é evidente que a discussão real está lá em Davos na Suíça, no Fórum Econômico Mundial. É lá que a classe trabalhadora tem de "estragar a festa" com a pergunta que todos temem: "Como nós os operários, camponeses, torneiros mecânicos, engenheiros de produção, gerentes, contadores, designers e auditores contábeis, vamos viver?"
A resposta será a preferida dos sacerdotes do novo culto universal contemporâneo, ou seja "O mercado proverá". "Então vamos discutir como iremos participar dele", deve ser a resposta e a base de uma nova postura da classe trabalhadora diante da nova realidade. Esse é de fato o único "outro mundo possível".
Bibliografia:
Relacionamos um conjunto de obras que serviram de base para nossas reflexões. A referencia a qualquer obra não significa que a mesma tenha sido diretamente citada.
Clássicos
Marx, Karl-O Capital-Abril Cultural-1983
Ricardo, David-Princípios de Economia Política e Tributação-Abril Cultural-1974
Smith, Adam-Investigação sobre a natureza e as causas da riqueza das nações-Abril Cultural-1974
Weber, Max-A Ética Protestante e o espírito do Capitalismo-Abril Cultural-1974
Economia e finanças
Frank, Thomas-Deus no céu e o mercado na terra-Editora Record-2004
Galbraith, John Kenneth-A Era da Incerteza-Livraria Pioneira Editora-1980
Galbraith, John Kenneth-O Novo Estado Industrial-Livraria Pioneira Editora-1983
Galbraith, John Kenneth-Anatomia do Poder-Livraria Pioneira Editora-
Galbraith, John Kenneth-A Economia das Fraudes Inocentes-Campânia das Letras-2004
Sociologia e política
Castells, Manuel-A Sociedade Em Rede-Editora Paz e Terra-2003
Castells, Manuel-O Poder da Identidade-Editora Paz e Terra-2002
Castells, Manuel-Fim de Milênio-Editora Paz e Terra-2002
Dupas, Gilberto-Economia Global e Exclusão Social-Editora Paz e Terra-2001
Dupas, Gilberto-É tica e Poder na Sociedade da Informação-Editora Unesp-2002
Rifkin, Jeremy-O Fim dos Empregos-Makron Books-1996
Tauile, José Ricardo-Para (re)construir o Brasil-Editora Contraponto-2001
História
Diamond, Jared-Armas, Germes e Aço - Os destinos das Sociedades Humanas-Editora Record-2002
Heers, Jacques-História Medieval-Difel - Difusão Editorial S/A-1985
Néré, Jacques-História Contemporânea-Difel - Difusão Editorial S/A-1981
Anarquismo
Proudhon, Pierre-Joseph-Do Princípio Federativo-Editora Imaginário-2001
Woodcock, Geoge-Os Grandes Escritos Anarquistas-L & PM Editores-1981
Woodcock, Geoge-Anarquismo - A Idéia-L & PM Editores-1983
Woodcock, Geoge-Anarquismo - O Movimento-L & PM Editores-1984
Ética Hacker
Castells, Manuel-A Galáxia da Internet-Jorge Zahar Editor-2001
Himanen, Pekka-A ética dos Hackers-Editora Campus-2001
Medeiros, Assis-Hackers - Entre a Ética e a Criminalização-Visual Books-2002
Economia solidária
Singer, Paul-Introdução a Economia Solidária-Editora Fundação Perseu Abramo-2004
Singer, Paul e André Ricardo de Souza-A Economia Solidária no Brasil-Editora Contexto-2000
OBS: A série de artigos estará disponivel em breve em formato de livreto.
wsf 2005 – wsf – www.agp.org (archives) | www.all4all.org